Marcas pelo fogo
Fui vacinado contra a poliomelite. Um nome engraçado de doença, que minha mente infantil sempre associou à palavra "omelete". Poliomelite: uma doença cruel que faz com que você só consiga ingerir omeletes como alimento. Isso efetivamente aconteceu comigo. Não tive poliomelite - fui vacinado - mas tive uma infecção bucal (teria sido afta?) que me deixou a boca podre, com pedaços de pele preta se desprendendo dela. E nessa época não pude comer nada além de omelete. Aliás, acho que foi a partir daí que comecei a gostar de omelete.
Fui vacinado também contra a rubéola, difteria, paralisia infantil. Contra o tétano, por um descuido qualquer de meus pais, perdi a primeira vacinação. Só depois, com dezesseis anos, tomei a injeção anti-tetânica. No entanto, nunca fui criança de brincar descalça e me cortar com lata oxidada ou caco de vidro. Fui sim uma criança desengonçada, acostumada a cair e a bater a cabeça. Uma queda atrás da outra desde que sai do útero da D. Lilian. Aliás, embora minha mãe não se recorde, é muito certo que minhas primeiras cabeçadas na parede tenham sido nas paredes do útero de minha mãe. E depois de nove meses, resignado e atento, vim pra fora começar a ouvir os acordes das canções do ambiente.
Não gostava de injeção, era evidente. Preferia a vacina de gotinha. Hoje em dia, mudei meu pensamento e passei a acreditar numa maior eficiência da injeção ante a gotinha que pode muito bem ser cuspida em vez de engolida.
Acreditava que não podia tocar as estrelas do céu, pois queimaria minhas mãos. E não seria uma reles queimadura, como uma queimadura de cigarro comum. Seria uma queimadura amarga, dolorosa. Uma queimadura dessas que deixam cicatrizes. Quando me queimaram no Senai com aquele ferro de solda, meus colegas aproveitaram o fato de ser eu uma pessoa sugestionável para me dizer que o estanho do ferro de solda entraria na minha circulação sanguínea e eu seria contaminado. Outros disseram que a cicatriz ficaria pra sempre. Não ficou. E, que eu saiba, não fiquei sequelado pelo estanho no cérebro. Fiquei sim com uma marca muito leve, quase imperceptível, só pra me lembrar da maldade dos meus amigos daquela época e de como as crianças se deixam levar pelas bobagens das outras.
Quando era pequeno, acho que me queimaram com cigarro. Acidentalmente. Mas não tenho lembrança nítida disso, então não posso garantir que aconteceu. Pode ter sido um sonho ou pode ter ocorrido noutra vida. Quem sabe? Com dezoito, me queimaram novamente e disso lembro-me bem, apesar do vinho no cérebro. Foi no mesmo dia em que magoei a mim mesmo e à Maria Sílvia. Um dia que tentei esquecer, mas que talvez seja mais edificante relembrar. Todo amor, ainda que pirofágico e acidental, é válido.
Minha mãe foi negligente. Esqueceu-se de me vacinar contra os amores e as queimaduras.
Hoje sou um homem, praticamente. Um homem habituado a comer omeletes, tomar injeções e ignorar estrelas. Um homem que não se importa em ser desagradável, quando necessário. Um homem que teme o amor, os cigarros, os ferros de solda, a opinião clínica (e cínica) alheia. Um homem bem menos sugestionável. Um homem que, apesar de tudo, ainda acha engraçada a palavra "poliomelite". Ainda que a idéia de pensar nas crianças com poliomelite tire um pouco da graça disso.
Fui vacinado também contra a rubéola, difteria, paralisia infantil. Contra o tétano, por um descuido qualquer de meus pais, perdi a primeira vacinação. Só depois, com dezesseis anos, tomei a injeção anti-tetânica. No entanto, nunca fui criança de brincar descalça e me cortar com lata oxidada ou caco de vidro. Fui sim uma criança desengonçada, acostumada a cair e a bater a cabeça. Uma queda atrás da outra desde que sai do útero da D. Lilian. Aliás, embora minha mãe não se recorde, é muito certo que minhas primeiras cabeçadas na parede tenham sido nas paredes do útero de minha mãe. E depois de nove meses, resignado e atento, vim pra fora começar a ouvir os acordes das canções do ambiente.
Não gostava de injeção, era evidente. Preferia a vacina de gotinha. Hoje em dia, mudei meu pensamento e passei a acreditar numa maior eficiência da injeção ante a gotinha que pode muito bem ser cuspida em vez de engolida.
Acreditava que não podia tocar as estrelas do céu, pois queimaria minhas mãos. E não seria uma reles queimadura, como uma queimadura de cigarro comum. Seria uma queimadura amarga, dolorosa. Uma queimadura dessas que deixam cicatrizes. Quando me queimaram no Senai com aquele ferro de solda, meus colegas aproveitaram o fato de ser eu uma pessoa sugestionável para me dizer que o estanho do ferro de solda entraria na minha circulação sanguínea e eu seria contaminado. Outros disseram que a cicatriz ficaria pra sempre. Não ficou. E, que eu saiba, não fiquei sequelado pelo estanho no cérebro. Fiquei sim com uma marca muito leve, quase imperceptível, só pra me lembrar da maldade dos meus amigos daquela época e de como as crianças se deixam levar pelas bobagens das outras.
Quando era pequeno, acho que me queimaram com cigarro. Acidentalmente. Mas não tenho lembrança nítida disso, então não posso garantir que aconteceu. Pode ter sido um sonho ou pode ter ocorrido noutra vida. Quem sabe? Com dezoito, me queimaram novamente e disso lembro-me bem, apesar do vinho no cérebro. Foi no mesmo dia em que magoei a mim mesmo e à Maria Sílvia. Um dia que tentei esquecer, mas que talvez seja mais edificante relembrar. Todo amor, ainda que pirofágico e acidental, é válido.
Minha mãe foi negligente. Esqueceu-se de me vacinar contra os amores e as queimaduras.
Hoje sou um homem, praticamente. Um homem habituado a comer omeletes, tomar injeções e ignorar estrelas. Um homem que não se importa em ser desagradável, quando necessário. Um homem que teme o amor, os cigarros, os ferros de solda, a opinião clínica (e cínica) alheia. Um homem bem menos sugestionável. Um homem que, apesar de tudo, ainda acha engraçada a palavra "poliomelite". Ainda que a idéia de pensar nas crianças com poliomelite tire um pouco da graça disso.
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CORINTHIANS TETRACAMPEÃO BRASILEIRO! PARABÉNS MEU TIME QUERIDO!
1990 - 1998 - 1999 - 2005
6 Comments:
cara, realmente curti o que vc escreve!
te achei do nada na página inicial do weblogger, onde eu tava procurando outros blogs pra saber se só o meu estaria com problema.
to aqui, morrendo de sono, mas fiz questão de ler alguns posts seus e, como já disse, curti mesmo.
achei essas suas piras parecidas com as minhas. não quero comprar, mas entendo o fundo de onde elas vêm também.
é bom não se sentir sozinho. vc faz faculdade de jornalismo? acho pessoas que fazem jornalismo interessantes..
não, eu não sou gay, apenas fiquei feliz de verdade ao poder ler outras loucuras, filosofadas e textos estranhos (no bom sentido, se é que isso tem um bom sentido) que não sejam os meus.
um abraço!
(se meu blog não estiver funcionando, ou os comentários, e vc fizer questão de responder, mande-me um e-mail: duhguedes@hotmail.com)
Como a Fênix, ressurjo das cinzas!!! Hehehe...
Que bosta isso!
Não leve a mal, assisti Harry Poter ontem... Não o novo, mas o dois!
E aí, Rapaz? omo está? Bom, deixa esses assuntos bobos como condição pessoal pra e-mail...
"Loucuras" e bobagens de criaça são muito legais, né?! Esse negócio de vincular nomes a outros nomes é engraçado: tenho uma tia que se chama Gasparina (coitada!)Vinculei o nome dela com lamparina. Não sei bem qual nome é mais bonito, mas o fato é que pra mim sempre foi lamparina...
Mas é isso...
E eu voltei!
Abraço!
No dia que inventarem vacina contra burrice (no bom sentido da coisa, aquela burrice que faz a gente ficar como um asno de quatro no chão por alguém) das duas uma: ou o mundo fica muito chato, ou vou ter que vender a minha mãe para conseguir uma dose.
Oi, Rafael!
Ei, mas sempre passei pelo Sonhos e Clichês I!!! Tudo bem q não comentava em todos os posts, mas sempre dava uma passadinha! E vc q nem aparece no meu?! Humpf!!! Enfim, gostei mto do texto, como sempre!!!
Bjos!
Antes de mas nada, eu não te conheço... Estava viajando pelas páginas inciais desses hospedeiros de blogs, rs! Que engraçado, eu tb costumava confundir os nomes das palavras, criando uma lógica só minha, ou melhor, do meu universo paralelo, rs! Adorei o seu blog! Bjs
coffeesgonecold.blogspot.com
BU!!!!
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