quarta-feira, outubro 11, 2006

O pensamento parece uma coisa à toa...

Quem percorre as esquinas nebulosas da dor-de-corno no Reino da Música Popular Brasileira desemboca logo no Beco do Brega. O Beco do Brega abriga um bar, no qual estão todos os mal-amados, substituídos e dispensados desse mundão de Deus. Os mendigos, os chifrudos, os beberrões. Ali há um palco onde se apresentam os cantores da noite. O cantor que mais aplausos (ou vaias) conseguir arrancar do desanimado, apático e fleumático público, ganha uma estatueta carinhosamente denominada "Prêmio Reginaldo Rossi de música". Por ali já passaram diversas duplas sertanejas, cantores de músicas mela-cuecas e até mesmo alguns figurões da MPB. Vinicius de Morais já se sentou mais de uma vez pra tomar uma cangibrina. Chico Buarque passou na porta mas, apressado (ou, quem sabe?, envergonhado), limitou-se a enfiar a cabeça pra dentro e olhar de esguelha o movimento. Roberto Carlos e seus amigos de fé também já pintaram no pedaço. Rola sempre uma sinergia muito bacana entre os sentimentalóides de ontem e os de hoje. Os pagodeiros aprendem harmonias novas para seus cavaquinhos nas velhas violas de sertanejos despojados de seus amores e de seu gado doente. Há sempre um faxineiro limpando a cachaça derramada no chão e afastando os indivíduos que choram sobre ela.
Mas o grande acontecimento do Beco do Brega se dá quando um dos fundadores do pedaço aparece para dar a sua palhinha. Ele sobe ao palco e canta "Nervos de Aço". Se estiver de bom humor, canta trechos do belo hino que compôs para o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense: "Até a pé nós iremos/Para o que der e vier/ Mas o certo é que nós estaremos/ Com o Grêmio onde o Grêmio estiver...", para em seguida voltar ao seu respertório de singela e lírica amargura.
Eu que estou sempre sentado a um canto escuro e despercebido do bar, me emociono quando ele canta que a "felicidade foi-se embora/ e a saudade no meu peito 'inda' mora/ e é por isso que eu gosto lá de fora/ porque sei que a falsidade não vigora".
Lupicínio inventou o termo "dor-de-cotovelo" que, ao contrário da alusão que lhe dão, não tem a ver com inveja. Dor-de-cotovelo é a dor de quem enterra os cotovelos num balcão de bar enquanto faz bolhas no fundo de seu copo de uísque, pensando no seu amor perdido.
Cair de bêbado e de amores com este fundo musical torna a vida bem mais suportável. E por essas e outras que o Beco do Brega é sempre tão freqüentado.
(Lupicínio Rodrigues nasceu em Porto Alegre, em 19 de setembro de 1914. Faleceu na mesma cidade, em 27 de agosto de 1974).

Felicidade
(Lupicínio Rodrigues)

Felicidade foi-se embora
E a saudade no meu peito inda mora
E é por isso que eu gosto lá de fora
Porque eu sei que a falsidade não vigora
A minha casa fica lá detrás do mundo
Onde eu vou em um segundo
Quando começo a cantar
O pensamento parece uma coisa à toa
Mas como é que a gente voa
Quando começa a pensar


***

Angústia

Mesmo nos dias felizes
A única composição
Venal e insignificante
Que de meus dedos brota
É a metáfora injusta
Da pata do medo
Sobre meu ombro.


(17/03/2005)

Poema extraído de "Amor Só de Mãe", terceiro caderno de poesia de Rafael Gimenez.

***

"Garçom, tem uma mosca no meu blog!"
"Errado, senhor! Tem VÁRIAS moscas no seu blog. Ele está às moscas!"

OK. Até amanhã, moscaiada!

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ei! Eu sou uma moça, já fui uma moca, mas não sou mosca e estou aqui!!!!! E quase sempre morro de inveja pq o seus posts enormes são muito mais lidos e comentados que os meus pequenininhos!!!!!
Eu vivo nesse boteco do beco do brega... Ótimo post!
Beijão

outubro 11, 2006 7:48 PM  
Anonymous Anônimo said...

Buzzzzz...

Ótimo texto pra variar... Lembrou um pouco a fase do Amor de mãe msm... E repito: aproveite para o TCC.

Buzzzzz...

outubro 11, 2006 9:53 PM  
Blogger Pedro Henrique said...

Tirando a poeira, saculejando com um ótimo texto e um poema para fechar com chave de ouro. Esse é o cara!!!!!!

outubro 12, 2006 1:11 PM  

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