O sonho dentro do sonho
Não sei dizer quando foi que eu me apaixonei pela primeira vez. Acho que essas paixõezinhas de criança não contam. Também não sei dizer quando foi que eu comecei a ficar destrambelhado por causa de mulher. Eu já li histórias de amores terríveis, em que os homens se degeneram, se afundam, se matam, se viciam e enlouquecem por causa de mulher. Eu sempre fui um cara racional e acho um absurdo uma coisa assim acontecer. Não consigo entender como o homem, a mais sublime das criaturas, privilegiado pela natureza, dotado de extraordinária inteligência e livre-arbítrio, pode ser tão fraco a ponto de ser destroçado por seus próprios sentimentos.
O fato de questionar essa realidade nunca impediu, no entanto, que eu pulasse de cabeça nos meus sentimentos. Eu nunca tive muita medida das coisas. Não esperava acontecer o mais ínfimo indício de correspondência afetiva para me perder de amores por uma moça que julgasse interessante. Nessas, eu entrei bem. Já ouvi aquele famoso "eu gosto de você, como amigo". Já ouvi coisas mais dolorosas, como "se pudesse escolher por quem me apaixonar, seria por você". Já ouvi muita coisa que me apertou o coração, me desesperou, me fez pensar que nunca, nunca mesmo, eu seria amado por alguém. Tais insucessos criaram em mim um trauma, um sentimento derrotista que eu não me orgulho em assumir, mas que é a pura verdade.
Por esses dias, novamente, eu tive um aperto desses no peito. A diferença é que, desta vez, o buraco é bem mais embaixo. Estou apaixonado, mas não só isso. Estou envolvido por uma pessoa em todas as esferas do meu ser, um sentimento múltiplo, agressivo, por vezes opressor. O sofrimento por amor não é uma coisa inédita na minha vida, como estou aqui relatando. Mas o que estou sentindo desde meados de 2007 - e que só faz aumentar, a cada dia - é sem dúvida a coisa mais aterradora por que já passei. Não tenho a quem recorrer, senão aos amigos - e a essa própria pessoa que, por sinal, é minha amiga. Não tenho como recorrer aos vícios, pois que não os tenho, nem quero contraí-los. Não tenho como fazer uma viagem prolongada, um reexame das minhas contas. Nada. Estou só na estrada, lutando comigo mesmo. Dizendo NÃO ao SIM que sai do meu peito. Hormônios à mil, transtornado, com raiva de ser impúdico quando a minha natureza está gritando, exigindo pronta satisfação aos seus desejos, criando mil desvarios na minha mente, inventando histórias pecaminosas, deliciosas, más. Uma luta árdua, ainda mais pra mim que não sou forte. Querendo manter minha dignidade, meu orgulho, meu respeito, quando o animal que está dentro de mim quer sair, possuir, destroçar, dominar. O cavalheiro que sou, que só tem amor a oferecer, rosas, carinhos, este está tendo uma queda de braço com o homem que eu sou, o famélico homem que eu sou, contidos desejos há muito tempo, fome imensa a saciar.
Eu quero saciar minha fome. Matar e morrer de amor, como se a vida fosse se extinguir em alguns minutos, como se o sonho fosse acabar a qualquer momento, no raiar de um dia cinzento que vai me tirar da cama e me jogar na rua, com nada nas mãos e tudo começando do zero. Eu luto, luto para manter vivo o sonho dentro do sonho, a esperança de olhar pra cima e furar o bloqueio da fumaça, enxergar o horizonte da minha felicidade, alcançar a visão plena do que está aqui para por mim ser fruído, que a ilusão que tomou corpo bloqueia. A ilusão tomou corpo e o corpo é minha ilusão, o corpo é a imagem que se cravou fundo dentro de mim, que me inquieta a alma, me sacode, me causa os tremores e tira o sabor das coisas que eu antes degustava com verdadeira alegria.
Eu estou pronto. Para esquecer. Para me cortar. Para amar. Para fugir. Para me expor. Para ser feliz. Para morrer. Para me redimir. Para tudo.
1 Comments:
Hey, segure os cavalos!
Morrer de amor é tão-século-XIX!
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