A Mulher de Vidro
Ela tem o corpo tão claro que posso ver as suas veias. No braço, nas mãos, na parte de baixo das costas, perto do cóccix. Me excita olhar aquela pele marcada de fios verdes, onde corre um sangue que deve ser tão quente a ponto de deixá-la incandescente quando seu corpo ferve de excitação na cama. Sinto, perto dela, que meu corpo se contamina de calor, fico febril, sinto uma terrível angústia misturada com um desejo voraz. Sinto-me inevitavelmente impotente. Não há uma solução justificável, cabível, para meu problema.
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A mulher de vidro entrou na minha vida num verão passado e na época eu não refleti muito sobre sua aparição. O primeiro olhar que trocamos me encabulou e dele me lembro até hoje. Era um olhar interrogativo mas que, analisando hoje, acho que me transmitia alguma promessa de cumplicidade. Um olhar como se... nos conhecéssemos de outros carnavais. Ou talvez ela estivesse me esperando, ou não estivesse. Posso ter sido uma surpresa pra ela, como ela foi para mim. Eu não sei dizer. A mulher de vidro me bota confuso.
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Ela não é de vidro por acaso. Posso saber tudo o que se passa dentro da sua cabeça. Enxergo suas veias na pele macia e sigo por essas avenidas até chegar ao que está no seu coração. Eu já vi seu choro e já vi por muitas vezes seu riso desbragado. Sinto uma vontade de nem sei o quê quando ela ri e o som da sua risada me arrepia, e me dá vontade de pular pela janela e cair de pé lá embaixo, como um gato. E quando sou eu quem desperta sua risada, eu sinto ainda uma vontade de abraçar o mundo, de parar os carros na rua, de correr pelado pela rua. Eu me sinto eletrificado, sinto como se o mundo existisse a partir de um desejo dela. Ela pediu o mundo a Deus. Nunca ninguém havia pedido nada a Deus, todos tinham medo de Deus. Mas ela olhou para Deus e, com sua voz amolecida de ternura e seu jeito desconcertante e infantil, sua forma maliciosa e vil de seduzir e cativar a gente, pediu pra que Deus criasse o mundo. E então ele atendeu o pedido e fez em sete dias um trabalho que duraria mil anos. Aí ela sobreviveu aos dinossauros, adormecida nalgum canto quente do planeta, e então Deus deve ter se identificado comigo por alguma razão, porque quis que eu a conhecesse. Deus talvez não suportasse sozinho a presença dela, talvez ela também causasse Nele alguma angústia. Deus e eu somos então cúmplices mudos de alguma prova, de um carma, de uma benção.
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Toca o telefone. Sei que é a mulher de vidro. Eu quero estar no sonho da mulher de vidro. Eu quero me fundir a ela e ser, como ela, inquebrantável. Na mulher de vidro, nos seus grandes olhos luminosos, vive aprisionada um pedaço da minha alma, quanto mais isso soe um lugar comum. Ela sorveu minha alma com um canudinho de refrigerante, desses que corri a buscar pra ela. A mulher de vidro é a grande alegria muda da minha vida. E é minha irrevogável e óbvia tristeza. As pessoas não sabem pelo que estou passando. Todas pressupoem, mas suas desconfianças estão mergulhadas na ignorância da verdade. Ninguém sabe que eu mato ou morro pela mulher de vidro. Ninguém poderia jamais saber se isso é verdade ou mentira.
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Me reviro na cama. A luz translúcida do dia atravessou o vidro e veio bater em mim.
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A mulher de vidro entrou na minha vida num verão passado e na época eu não refleti muito sobre sua aparição. O primeiro olhar que trocamos me encabulou e dele me lembro até hoje. Era um olhar interrogativo mas que, analisando hoje, acho que me transmitia alguma promessa de cumplicidade. Um olhar como se... nos conhecéssemos de outros carnavais. Ou talvez ela estivesse me esperando, ou não estivesse. Posso ter sido uma surpresa pra ela, como ela foi para mim. Eu não sei dizer. A mulher de vidro me bota confuso.
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Ela não é de vidro por acaso. Posso saber tudo o que se passa dentro da sua cabeça. Enxergo suas veias na pele macia e sigo por essas avenidas até chegar ao que está no seu coração. Eu já vi seu choro e já vi por muitas vezes seu riso desbragado. Sinto uma vontade de nem sei o quê quando ela ri e o som da sua risada me arrepia, e me dá vontade de pular pela janela e cair de pé lá embaixo, como um gato. E quando sou eu quem desperta sua risada, eu sinto ainda uma vontade de abraçar o mundo, de parar os carros na rua, de correr pelado pela rua. Eu me sinto eletrificado, sinto como se o mundo existisse a partir de um desejo dela. Ela pediu o mundo a Deus. Nunca ninguém havia pedido nada a Deus, todos tinham medo de Deus. Mas ela olhou para Deus e, com sua voz amolecida de ternura e seu jeito desconcertante e infantil, sua forma maliciosa e vil de seduzir e cativar a gente, pediu pra que Deus criasse o mundo. E então ele atendeu o pedido e fez em sete dias um trabalho que duraria mil anos. Aí ela sobreviveu aos dinossauros, adormecida nalgum canto quente do planeta, e então Deus deve ter se identificado comigo por alguma razão, porque quis que eu a conhecesse. Deus talvez não suportasse sozinho a presença dela, talvez ela também causasse Nele alguma angústia. Deus e eu somos então cúmplices mudos de alguma prova, de um carma, de uma benção.
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Toca o telefone. Sei que é a mulher de vidro. Eu quero estar no sonho da mulher de vidro. Eu quero me fundir a ela e ser, como ela, inquebrantável. Na mulher de vidro, nos seus grandes olhos luminosos, vive aprisionada um pedaço da minha alma, quanto mais isso soe um lugar comum. Ela sorveu minha alma com um canudinho de refrigerante, desses que corri a buscar pra ela. A mulher de vidro é a grande alegria muda da minha vida. E é minha irrevogável e óbvia tristeza. As pessoas não sabem pelo que estou passando. Todas pressupoem, mas suas desconfianças estão mergulhadas na ignorância da verdade. Ninguém sabe que eu mato ou morro pela mulher de vidro. Ninguém poderia jamais saber se isso é verdade ou mentira.
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Me reviro na cama. A luz translúcida do dia atravessou o vidro e veio bater em mim.
1 Comments:
Muito bom o texto, melado sem ser enjoado...
Gostei.
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