sexta-feira, março 07, 2008

Portas fechadas

Saiu de casa e tudo pareceu-lhe subitamente diferente. Não mais de vinte passos até a padaria da esquina e, uma vez ao sopé da porta, notou que ela estava fechada. Deu de ombros, sabe-se lá o que poderia ter acontecido com Seu Antunes, o dono. Caminhou em direção à outra padaria, um pouco mais afastada. Fome do cão, queria comer pães de queijo. Deu novamente com o nariz na grande porta de ferro fechada. Começou a refletir a respeito do que poderia estar acontecendo. Seria domingo e ele não se dera conta? Mas oras, ontem foi quarta-feira, dia de futebol à noite. Sentiu-se como saído de um sonho. Seguiu andando pela rua e viu à sua frente o supermercado fechado. Também fechada a farmácia, a videolocadora, a banca de jornal, a pizzaria. As casas todas fechadas e não se via vivalma na rua. Correu ao ponto de ônibus e esperou por alguns minutos. Apareceu o 756 e ele fez sinal. O ônibus parou, mas não abriu as portas. Ele esmurrou a entrada dianteira, fez sinal ao motorista, que apenas lhe fez um gesto como se dissesse "Que posso eu fazer?" e saiu com o veículo.

A noite caía e ele, incrédulo e derrotado, caminhou pelas ruas. Mas ocorreu-lhe que havia um lugar que funcionava nos feriados, dias santos e até finais de copa do mundo. Andou por cerca de quarenta minutos até desembocar na rua escura, a rua dos inferninhos. Chegou ao puteiro que frequentava e não viu os seguranças parados na porta, como era praxe. Então notou que também o lupanar estava fechado. Bateu com violência e as meninas apareceram na janela. Não podiam abrir e não sabiam explicar porquê. Como que para deixá-lo tomado de fúria lasciva, acariciaram-se sob seu olhar e os seios fartos da prostituta mais velha balançavam e vinham bater no peitoril. A provocação não foi bem digerida por ele, que tomado de despeito tratou de sair logo dali. Pôs-se a correr como um desvairado, cada vez mais desesperado na medida em que notava que os restaurantes estavam fechados, as igrejas, as casas de umbanda, os açougues, as oficinas mecânicas, as revendas de carros, os motéis, as lojas que alugam vestidos de noiva, as lavanderias, os fliperamas, a banca do jogo de bicho, a puta que pariu. Ouvia os ruídos que provinham das casas, mas era como se o mundo tivesse se tornado um imenso presídio. Presídio. Também a delegacia de polícia do bairro estava na clausura.

Sentou-se enfim extenuado na guia da calçada. Gostaria de tomar alguma coisa, mas mesmo os botecos estavam fechados. Lembrou-se da canção de Raul Seixas, "O Dia Em Que a Terra Parou". Ia assoviá-la mas, de repente, sentiu que tinha os lábios colados. Entrou finalmente em desespero. Correu pela rua sem olhar e foi atropelado por um carro que passava. O motorista quis socorrê-lo, mas não conseguiu descer do carro, as portas estavam travadas. Ficou durante muito tempo agonizando na rua, pensando que poderia aparecer alguém e levá-lo ao pronto-socorro. Mas então atinou que os hospitais também estariam fechados.

Estariam abertas as portas do céu? Ele preferiu nem pensar nisso. Uma brisa leve lambeu seu rosto e ele sorriu. Deus quando fecha uma porta, abre uma janela, lhe dizia sua finada mãezinha.

6 Comments:

Blogger A. Diniz said...

fantástico.

simplesmente isso.

fantástico.

março 07, 2008 10:07 PM  
Anonymous Anônimo said...

Faço minha a palavra do Diniz.
Seria legal se um dia a terra parasse mesmo. Será que dá pra fazer isso qualquer dia?

Bjo

março 07, 2008 10:44 PM  
Anonymous Anônimo said...

Mantenho minha opinião de leitura interessante.
Bjs

março 09, 2008 2:33 AM  
Blogger A. Diniz said...

Não me deixou alternativa - tive que revidar o fogo:

http://thecokeinc.blogspot.com/2008/03/jesus-me-chama-um-conto-inspirado-em.html

março 10, 2008 12:24 PM  
Anonymous Anônimo said...

fantastico? ou teria realmente acontecido? rs

mAs fato é que achei bem escrito.

março 19, 2008 12:54 AM  
Blogger Trinnitty said...

Muuuuuuuiiiitoooo booooommm... Vc sempre se supera. bjs ;o****

março 19, 2008 5:48 PM  

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