sexta-feira, dezembro 23, 2005

JK, o Mito

A Globo está prestes a estrear mais uma produção com pretensões históricas: a vida de Juscelino Kubitschek. No caso, a vida idílica de Kubitschek, sem as gonorréias que ele possa, eventualmente, ter contraído na juventude e sem aquelas cagadas todas que a gente comete e que são apagadas do nosso currículo quando nos tornamos celebridades.
Apesar do meu enorme interesse por história do Brasil, não me empolga muito o tratamento que a Globo dará a esse personagem. Não dirão, por exemplo, que por trás das obras grandiosas e do desenvolvimentismo do período, o Brasil iniciou um irreversível processo de endividamento externo. Não dirão que, mesmo incentivando o nacionalismo - que incluía o projeto da capital federal - o Sr. JK abriu as portas para que o capital estrangeiro entrasse e se instalasse. E que nos tornamos, graças à isso, muito dependentes e nada auto-sustentáveis.

JK é comparado apenas a Vargas quando se fala dos grandes presidentes. E, realmente, os períodos de maior desenvolvimento industrial se deram nos governos desses dois presidentes. O que os diferencia, porém, foi o modo como esse desenvolvimento ocorreu. Vargas era um nacionalista ferrenho e defendia que o Brasil deveria criar e manter indústrias de base, para se tornar auto-sustentável. Volta Redonda, a siderúrgica que o FHC privatizou recentemente, é um exemplo disso. Já JK se apoiava no capital estrangeiro. Botou umas fábricas de carro aqui - o que trouxe, como consequência, um uso quase que exclusivo da rede rodoviária, sendo que o Brasil tinha um grande potencial ferroviário - , construiu Brasília numa região até então isolada e fez uma bela propaganda populista ("o Brasil vai crescer 50 anos em 5"). Mais tarde, com o Golpe Militar, se fudeu grandão e, como quase todos os políticos de oposição, teve de se exilar e, se não me engano, bateu as botas no exílio mesmo.

Enfim, eu não nego que Juscelino fosse um grande estadista e seja um puta nome da nossa política. O que não curto muito, nessas caracterizações que a tevê faz, é o endeusamento. Colocam o cara como um herói nacional, não como um político - que é o que ele realmente foi. Cada ato do sujeito - desde um simples bom dia até um decreto de estado de sítio - ganha contornos épicos. As namoradinhas da adolescência ganham aura de Joana D'Arc. O cara é sempre bom aluno na escola. É sempre um bom filho que obedece a mãe. Não bebe e, se o faz, é para comemorar alguma coisa - e usa-se um tom meio galhofeiro, pra mostrar que o cara é alegre, mas nunca alcoolatra. Mostram a agonia de morte dele, como se isso fosse uma coisa bonita de se ver. E normalmente a morte é mostrada de forma heróica, mesmo que factualmente ele tenha morrido de febre amarela e se cagando todo. As fraquezas, quando aparecem, são sempre sensações grandiloqüentes também. Você nunca verá o protagonista sofrendo de uma incontrolável diarréia ou broxando. E eu acho que isso faz parte da vida.

A meu ver, o brasileiro médio - aquele que assiste tevê e acompanha essa baboseira toda - não precisa de mais heróis. Já temos muitos, e muito poucos são de verdade: Princesa Isabel, Dom Pedro I e II, Barão do Rio Branco (vejam só, um Barão!), Marechal Deodoro ("proclamou a República", mas era amigão de fé de D. Pedro II), Getúlio Vargas, Tancredo Neves, Tiradentes e por aí vai. Todas essas figuras sempre muito bem retratadas nas produções artísticas: heróis e mártires do nosso povo. Contribuíram muito para que o Brasil fosse menos subdesenvolvido e menos miserável, naturalmente.

E a Globo continua com o belo trabalho que realiza desde que foi criada, durante o Regime Militar, de conscientizar e desenvolver nosso nacionalismo (ano que vem é ano de Copa do Mundo!). Numa dessas acaba sacrificando-se o senso crítico das pessoas, mas tudo na vida exige algum tipo de sacrifício.

Ainda assim, vamos esperar pra ver. E que o Juscelino não se debata no túmulo.


O Hômi posando pra foto em frente a um de seus maiores legados (além da dívida externa): Esplanada dos Ministérios, onde hoje só tem gente fina.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Essa produção global tem causado certo barulho há um tempinho... e deve seguir mesmo essa linha de raciocínio que vc seguiu. Enfim, todos sabemos do resultado: ótima audiência e versões em DVD com extras.

dezembro 23, 2005 9:04 PM  

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