quinta-feira, maio 24, 2007

O contador

O pobre coitado estava se mijando. Ajoelhado, uma dezena de bandidos ao redor, na viela. Todos apontando pistolas para sua cabeça. A execução seria barulhenta. Encostado ao muro, impassível, o líder da quadrilha aguardava. Os bandidos riam e pediam pra acabar logo com aquele puto. Mas Zelão não cedia. Que esperassem, porra!

"Enquanto meu contador não chegar, ninguém sai daqui, nem o presunto!"

Os minutos passavam morosamente e o "contador" não aparecia. O condenado resolveu aproveitar para ganhar tempo. Começou a implorar pela vida.

"Zelão, não me mata, cara! Eu juro que não te fodi. Eu tentei te avisar..."

"Agora já era, Piolhinho... Comigo não tem segunda chance. Aproveita aí teus últimos minutos aqui do lado de cima do chão, porque quando meu contador chegar, tu dança!"

O que diabos o Zelão queria com esse tal "contador"? Era óbvio que o desvio que Piolhinho tinha feito no caixa da boca era grande. Não carecia de "contador" nenhum pra saber que o destino era mesmo o passamento do traíra. Zelão transformara aquilo tudo numa circunstância ainda mais aterradora. Piolhinho foi tomado pela angústia:

"Então me mata logo, seu filho da puta! Robei tu mermo, robei porque tu foi otário! Me mata, senta o dedo logo, caralho!"

"Deixa a gente matar, Zé! Ele quer morrer, nóis qué matá! "

"Cala boca, caralho! Já falei que enquanto o contador não chegar aqui, ninguém respira nessa porra!"

O sofrimento durou mais alguns minutos, até que chegou um sujeito forte, de quase dois metros de altura. Um negão que faria Tony Tornado parecer o garotinho da caixa de cigarrinhos de chocolate Pan. Deu um tapinha no ombro do Zelão. Era tão imponente que ninguém atentou pro fato de que ele era o único que se permitia essa intimidade com o dono de toda a favela. Cumprimentou os bandidos na roda, um por um. Não tinha cara de contador.

"Muito bem!" - sentenciou Zelão. "Agora que o contador chegou, nós termina! Pedrão, conta!"

Pedrão pigarreou, abriu a boca e detonou:

"5, 4, 3, 2, 1!"

Pá, pá, pá! Vinte e cinco pás depois, Piolhinho era uma massa vermelha encharcando a viela.

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Um conto escrito por Deco G.
Argumento de André Diniz.
Maio de 2007.