sexta-feira, setembro 05, 2008

Vicissitudes

Minha mãe fumava desde os doze anos de idade. Muitas de minhas lembranças da infância trazem sua imagem com um cigarro entre os dedos. Ela costumava dizer que uma vez foi pega fumando escondida na escola, junto com uma colega. Seu pai foi chamado pela diretora, levou-a para casa e virou-a do avesso na porrada. Mas não adiantou muito. Minha mãe ficou por muito tempo viciada em nicotina, como meu avô foi alcoolatra até o fim de sua vida.
Eu, por muito tempo, fui um filho chato. Desses que falam em câncer de pulmão a cada cigarro aceso. Ela, numa certa altura de nossas vidas, sequer demonstrava impaciência ante minhas críticas. Simplesmente ignorava-as, desanimada. Ela nunca demonstrou vontade de parar de fumar. Pelo contrário, fruía as sensações que a nicotina lhe propiciava, sem demonstrar culpa, medo, qualquer coisa assim. Conheci muitos fumantes que pelo menos mantinham um discurso - ainda que hipócrita - de que fumavam porque eram viciados, mas que sabiam dos males do cigarro e pretendiam parar. Minha mãe nunca foi assim. Ela falava: "Fumo mesmo, e daí? Quem paga essa merda sou eu". Eu detestava o fedor de cigarro da minha mãe e mesmo o péssimo hábito que ela tinha de fumar em qualquer ocasião, perto de não-fumantes, dentro do carro com as janelas ainda fechadas. Mas não deixava de admirar a resolução dela em praticar um ato condenado por moralistas babacas como eu. Minha mãe é e sempre foi teimosa, muito teimosa.
Eu não acreditava que ela pudesse um dia parar. Mas, ela parou. Surgiu um polipo em sua garganta e ela teve que fazer uma cirurgia para retirar. O médico pediu-lhe que se resguardasse e ficasse ao menos duas semanas sem fumar. Eu teria apostado que ela fumaria no primeiro dia. Mas ela não fumou. Agravava a situação o fato de ela ser uma pessoa naturalmente nervosa. A falta da nicotina iria torná-la, numa previsão coerente, simplesmente intratável. É certo que o humor dela oscilou muito e ela teve crises de nervos que nós sentimos na pele nas primeiras semanas sem cigarro. Ainda hoje, mais de um ano depois, noto-a mais deprimida, insatisfeita, brava. Um dia, ela teve um desgosto qualquer aqui em casa e disse-nos que iria voltar a fumar. Que precisava fazer isso. Eu disse, como é de praxe: "Volta. A saúde é sua". Ela respondeu que era isso mesmo. E que voltaria a fumar, porque assim morreria mais cedo.
Acho que ela falou da boca pra fora. Mas, como dizem, toda mentira tem um fundo de verdade.
O pai da minha mãe, segundo a mesma, devia se sentir oprimido numa vida de merda, e por isso buscava apoio na cachaça, que acabou levando-o mais cedo do que seria o natural. Não sei se minha mãe tem no sangue alguma tendência suicida e acho realmente que não. Mas sei que me soa tudo isso como uma espécie de sina, de pessoas infelizes, seus vícios infelizes e o vazio que a abstinência e a desintoxicação deixam. Eu tenho quase 25 anos e nenhum vício socialmente não-aceito. Mas tenho pensamentos viciados, negativistas, suicidas, que tenho vergonha de expor. Ultimamente, tenho tido vergonha de dizer que estou triste. A ditadura da felicidade a qualquer custo da sociedade atual me oprime, e eu tenho vergonha de assumir que, às vezes, eu tenho vontade de morrer.
Minha mãe sempre dizia "eu fumo e quero que se foda" ou "eu quero sumir dessa merda". Ainda que fosse da boca pra fora. Minha mãe não tem vergonha das suas frustrações. E, não obstante todas as nossas diferenças, eu a admiro também por isso.

1 Comments:

Blogger Mila said...

Eu tb to tentando parar, vou conseguir!
Quando a pergunta que vc fez sobre meu post.. nenhum daqueles comentários no orkut é o meu simplesmente pq não coloquei minha opinião.. se tem uma coisa que eu aprendi nos últimos tempos é ficar calada

bju

setembro 07, 2008 6:05 PM  

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