quarta-feira, outubro 01, 2008

Eufemismos

Uma ex-namorada minha me disse, uma meia dúzia de vezes, que eu não servia para namorar com ela porque eu "gosto das coisas amenas". Na época, eu não entendia o que ela queria dizer com aquilo. Eu gosto mesmo das coisas amenas, não gosto de confusão, gosto de ficar numa relax, numa tranqüila. numa boa. Mas ficava puto tentando entender qual era o problema nisso. Até que outro dia, lembrando e pensando com os meus botões, cheguei numa resposta retardatária para a questão: "gostar das coisas amenas" era uma forma sutil e politicamente correta de dizer que eu sou (ou era, mas ainda devo ser) um bunda-mole. Bunda-mole teria me ofendido, por isso a moça, que sempre foi perspicaz, cunhou essa bela expressão, "gostar das coisas amenas". Você gosta das coisas amenas: você é um frouxo, um moleirão, um cara sem iniciativa e covarde. Interessante, não? O pior é que o tempo passou e eu não sinto que esteja gostando das coisas convulsas - o antônimo do que estamos falando. E talvez se gostasse duma encrenquinha, eu estaria experimentando alguns prazeres selvagens na minha vida. Mas, esqueçamos e passemos para outro exemplo.


Quando estou mal-humorado, eu costumo não ser cortês com as pessoas. Costumo fazer críticas sarcásticas, de ínicio veladas, depois explícitas. Costumo deixar bem claro, de forma agressiva mesmo, que estou de saco cheio e puto com pessoas ou situações. E geralmente faço isso com pessoas que gostam muito de mim e aturam a minha estupidez, porque as que não gostam simplesmente me mandam tomar no cu ou se afastam, magoadas. Um dia aconteceu uma coisa dessas com uma amiga de quem gosto e que acho que gostava muito de mim. Estava aborrecido e descontei nela, que disse ou fez algo com que não concordava. Estava já contando com o fato de que a pessoa iria se indignar. Me xingar, me bloquear no msn, sei lá. Alguma retaliação ela teria de me fazer, nem que fosse me dizer "você é um escroto, E-S-C-R-O-T-O!" Enfim. A minha amiga virou e me disse: "Nossa Rafa, você está nitroglicerínico hoje!" Eu não sabia se pedia desculpas ou dava um tapa na cara. Tem dias que você quer ferir quem te gosta, mas a pessoa não entra no jogo e isso dá uma bruta raiva. Você quer brigar, mas a pessoa gosta das coisas amenas.


Um último exemplo de como a língua portuguesa é rica no sentido de oferecer termos que disfarçam nosso completo desprezo ou pouca crença na inteligência alheia: minha mãe, quando me faz algum tipo de recomendação, costuma frisar que eu "sou muito desligado". Ok. É bonitinho ser desligado. Heróis românticos do cinema e da literatura costumam ser desligados. Não é essa a questão. O que pega, nesse caso, é que minha progenitora subestima - quase sempre com razão - a minha capacidade de raciocinio. Ela já usou, para me designar, as seguintes expressões: ingênuo, bonzinho, pessoa boa, pessoa sem malícia, você é igual o seu pai, cara muito legal, e por aí vai. Perceberam o que significa desligado? É óbvio, porra. É bocó, idiota, joão-bobo, otário, aquele que todo mundo passa pra trás, que cai no conto do vigário, etc. Quando ela vem com essa conversa, de que eu sou tranqüilo demais, já é prêambulo de um longo sermão que vai terminar com a certeza, de minha parte, de que ela me acha um tremendo pusilânime.


E de todas essas belas suavizações, que nunca me enganaram - ou enganaram por pouco tempo - eu só tiro uma conclusão: elas todas tem razão. Eu sou um bunda-mole, um escroto recalcado e um otário. Mas tem um porém (e sempre há um porém, como diria Plínio Marcos): por pouco tempo.

1 Comments:

Blogger Unknown said...

A vida é uma forja, e isso é um fato científico. Estás apanhando hoje o que muitos homens apanham quando chegam na meia-idade (veja Breaking Bad, enlatado ianque de rebeldia e saberá o que estou a dizer).

Ademais, essas expressões todas cairão em desuso com a nova Regra Ortográfica Portuguesa.

outubro 02, 2008 3:58 PM  

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