terça-feira, janeiro 31, 2006

Dispersos

Estou no meu Inferno Astral. Peço um pouquinho de compreensão aos amigos, pelo menos até o dia 18 de fevereiro. Tenho sido muito incisivo e intransigente nas minhas colocações. Acho que faz tempo que me tornei uma pessoa com essas características - quem me conhece há pelo menos uns dois, três anos, pode dizer se isso é verdade - mas isso tá ainda mais acentuado nos últimos dias. Às vezes não compensa levar tudo que eu falo a sério. Certas coisas é melhor relevar. Isso aqui NÃO é um pedido público de desculpas a ninguém. Eu não gosto de pedir desculpas. Só o faço em último caso. Mas sei quando estou errado.

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Tem coisas que todo moleque faz e eu nunca tive muita competência para fazer também. Uma delas era soltar pipa. Chegava a época em que ventava mais: a coisa que mais se via era a molecada correndo de um lado pro outro, empinando. Nunca vi graça nisso. Ficar horas e horas contemplando um pedaço de papel dançando no céu. E para piorar, a diversão maior é cortar o pipa dos outros. Aí sim que eu me desestimulava. Engraçado a gente pensar em justiça, solidariedade, caridade, honestidade e todas essas coisas quando, desde criança, as brincadeiras já tem por objetivo a competição pura e simples e a barbárie. Isso sem contar as ilusões: a ilusão do poder, que é a sensação de ter o melhor e mais cobiçado pipa, de preferência cortado de outro otário - lembro-me de Hitler e Napolão que outrora atacaram e anexaram várias nações sob seus cetros. A sensação do domínio pleno da justiça e dos conceitos de certo e errado, bom e mau: polícia e ladrão (e quem era o ladrão, por outro lado, podia sentir o prazer da trangressão) . Enfim. Participei sim de algumas brincadeiras ditas "físicas". Mas não era o que mais me excitava. Eu ficava exultante mesmo era diante da possibilidade de inventar personagens, estórias, lugares. Criávamos estorinhas como se fossem seriados de TV. E as tardes se consumiam nesse processo. Às vezes usávamos Lego e bonequinhos para dar um auxílio visual.
Obviamente eu sempre fui humilhado no futebol. Os poucos gols que marquei na minha carreira de jogador amador foram muitíssimo comemorados por meus exultantes companheiros de time (e pelos companheiros do time adversário também, inclusive), que conheciam minhas limitações. Normalmente as partidas eram acompanhadas por lesões. Eu me arrebentava sozinho. A cabeça sempre sangrando.
Sobrevivi a tudo. Aos cortes, à minha imaginação, ao medo de não ser aceito nunca. E por incrível que pareça, sinto falta da época em que não entendíamos esse conceito de "politicamente correto" e podíamos fazer o que quiséssemos. Ainda que, já naquela época, eu achasse uma crueldade chamar a menina negra de "café preto" e "resto de incêndio". Enfim, sem saber se isso é meritório ou não, creio que fui uma criança atípica.
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Acho que é perfeitamente normal a gente sentir saudade. Esse sentimento é inerente à nossa existência. Entretanto, eu acho que estou sentindo saudades DEMAIS. Muitas pessoas já me esqueceram ou lembram de mim de forma desbotada. Eu, no entanto, mantenho um lugar guardado para cada pequena reminiscência. Tenho medo de jogar papéis velhos fora. E tenho medo de jogar minhas lembranças fora também. Medo de ficar com as gavetas vazias e idem o coração (tava querendo evitar essa metáfora brega - coração é um órgão como qualquer outro - mas não consigo). Medo de ser esquecido também. Que diabos! A vida é muito mais que isso.
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Por fim, quero dedicar o post de hoje ao Sr. Wellington Fernandes de Souza. Certamente ele sequer tomará conhecimento dessa menção aqui. Mesmo assim, se há uma pessoa nesse mundo que me decepciona pouco, essa pessoa é ele.
Cirilo está completando neste dia 30 de janeiro a idade de 22 anos. É um bom amigo, um bom filho, um irmão carinhoso. Um tio legal, embora pouco paciente. Uma pessoa querida por todos, e de quem ninguém nunca tem queixas, exceto eu. Tivemos poucos arranca-rabos até hoje. Ficamos sem nos falar apenas uma vez. E, veladamente, disputamos a preferência da mesma garota numa determinada época. Nesse episódio, creio que ficou-se no 0 x 0, o que achei bom porque mulher nenhuma compensa o estremecimento de uma grande amizade. Aliás, Cirilo e eu nunca tocamos nesse assunto, uma vez que ambos nos constrangimos com isso.
Faz tempo que não o vejo. Temo que as curvas tortuosas da vida acabem por nos afastar. Temo que ele resolva mesmo fixar residência em Ribeirão Preto ou qualquer outra cidade longínqua. É que tenho planos nos quais ele está incluso.
Uma das últimas lembranças que tenho dele foi a forma como ele conseguiu tornar divertida pra mim uma visita chata e burocrática que tive de fazer ao Arquivo do Estado. Quem mais para dar risada junto comigo da minha atrapalhação com os rolos de microfilme? E o X-Burguer no Treiler do Corinthiano também foi outra coisa que marcou.
Enfim, eu gosto de assumir minha pieguice quando falo dos amigos. Porque me deslumbra a magia que reside no fato de, existindo uns 6 bilhões de pessoas no mundo, você encontrar de forma meio "sem querer" uma meia dúzia que se parecem contigo. O Cirilo é um irmão que teve origem e vida semelhantes a minha, até aqui. E o modo dele de sentir e de se relacionar com o mundo e consigo mesmo me lembra muito a forma como eu tenho procedido. Enfim, parabéns Cirilo, queridão! Peço a Deus que você esteja sempre conosco.

1 Comments:

Blogger Gabriela said...

Amigo, como sempre eu dei risada e me emocionei com suas confissões... Sempre q estamos perdidos é inevitável esse sentimento saudosista de exultação do passado... Mas, a verdade é que reflexões assim nos impulsionam ao dia de amanhã, se pensarmos um pouco como Kevin, ele deixou suas memórias, reviveu-as, mas foi brincar com seus filhos no quintal de casa! Não deixei o mundo passar por vc, e ter consciência disso, já é um bocado importante... Afinal, daqui alguns anos, vc só terá para reviver pequenas histórias de qdo vc lembrava as histórias antigas..... Bjão

janeiro 31, 2006 7:51 AM  

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