sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Intuição

Dizem que uma das principais características femininas é a intuição aguçada. O tal "sexto sentido", que é para a mulher o que uma pistola é para o Charles Bronson. Eu compartilho desse ideal coletivo. Quantas vezes já não me fodi porque ignorei os apelos de minha mãe para me municiar de guarda-chuva, não obstante o sol de Malibu lá fora? E ainda no campo materno, quantos casos a gente não fica sabendo de mulheres que passaram mal subitamente enquanto a alguns milhares de quilômetros de distância seus filhos enfiavam o carro num poste ou levavam uma bala perdida?

Porém, mesmo sendo uma característica atribuída às mulheres, eu também já tive meus lampejos clarividentes. Acho que é normal a gente olhar pra uma situação e já saber de antemão que a coisa vai feder. É normal acordar com uma voz na cabeça dizendo "fique na cama", desobedecer essa mensagem e depois ter um dia de cão na rua. Mas olhando além dessas normalidades, quero dizer que algumas vezes eu adivinhei conflitos em situações que aparentavam ser calmas ou que não tinham nada demais.

Me apaixonei perdidamente uma vez por uma garota. (O que não é novidade). E, apesar de meus esforços, não consegui conquistá-la. (O que também não é novidade). Mas tornei-me muito amigo dela, a ponto de a mesma confiar quase que plenamente em mim e não se sentir no direito de me esconder nada. Pois bem, embora ela se sentisse mal por me magoar, eu sempre arrancava dela relatos sobre casos e - desculpem o termo chulo e preconceituoso - galinhagens. Ficava em choque, caía em depressão, tentava aceitar, me odiava por ser masoquista e enfim me recompunha. Até saber de mais alguma coisa desagradável e recomeçar o ciclo do sofrimento. Bem, o fato é que, mesmo com toda a rejeição, eu alimentava uma esperança cega e estúpida de que ela podia mudar de idéia (já estava doente de amor, não tinha jeito). Houve então, em Bauru, uma festa tradicional, o Xote das Meninas - que pra mim sempre foi um signo de desgraça, porque me fodi nos que fui e nos que não fui também. No dia da tal festa, eu estava aqui em São Paulo e, obviamente, não pude ir. Sei que até me esqueci do Xote, da minha amada, das outras mulheres, enfim, de tudo, decidido que estava a aproveitar São Paulo como um refúgio para amores danosos e sem futuro. Só que, na noite do Xote, sem lembrar exatamente que ele estaria ocorrendo, veio-me uma sensação muito profunda de desconforto. Sentia, do fundo da minha alma, que algo muito ruim estava acontecendo naquele momento. E me senti impotente e totalmente infeliz. Não dá pra descrever o que senti. Poeticamente poderia dizer que foi a angústia do momento que antecede a morte. Mas isso é uma tremenda bobagem. Eu só sei que foi uma coisa queimando por dentro, rasgando, uma vontade filha-da-puta de sair por aí correndo e gritando. E tudo isso aparentemente sem explicação alguma.

Naquele momento, o que pude fazer foi pegar um papel e escrever uma carta. Uma carta pra ela. Uma carta dizendo tudo. Dizendo como eu a amava. Dizendo como meu peito doía ao sair de Bauru naquele ônibus, por eu saber que ela estava ficando pra trás. Como eu não queria viver sem ela. Como eu não podia aceitar que uma coisa tão grande não pudesse ser correspondida. Que Deus não era justo. E que, principalmente, EU NÃO MERECIA AQUILO. Escrever me aliviou um pouco da dor, embora eu soubesse que aquelas palavras não eram construtivas e que só piorariam a situação. Logicamente eu estava sendo imaturo e egoísta. Coisas que a gente percebe melhor depois.

Ela leu a carta e disse que chorou muito. Que estava sofrendo por não poder me ajudar. Sei que ela estava sendo sincera. O ruim foi saber depois por que me senti tão mal na noite do Xote: ela foi para a festa. E beijou dois sujeitos naquela noite, sendo que um deles era um conhecido que eu considerava improvável para ser desejado por qualquer mulher, muito menos pela mulher que me dispensou. Foi demais para meu ego. E eu pressenti tudo aquilo. Me senti traído. Achei, na hora, que meus sentimentos mais nobres foram pagos com lama, com zombaria, com facadas de um punhal de plástico na frente de uma platéia de sádicos. Que enquanto eu entregava minha vida a um pedaço de papel numa noite muda e assombrada, a outra parte se divertia bastante, numa dessas injustiças divinas. Enfim, pensamentos estúpidos de gente apaixonada. Hoje isso tudo é passado. Mas guardo comigo aquela sensação estranha, de que coisas acontecem à minha revelia e de que, mesmo assim, às vezes é possível adivinhar. O triste é que, essa intuição, nunca funciona para coisas alegres. Se bem que, se for alegre, é melhor que seja imprevisível mesmo, pra dar mais graça à vida.


Meu Pai, livre-me de prever minha própria morte, como fizestes com Ayrton Senna!

3 Comments:

Blogger Gabriela said...

Pois eh Rafa, infelizmente acho q cada qual de nós mortais, jah passamos por isso. Declarações lancinantes, e depois humilhações previsíveis...
Nem tudo eh perfeito qdo sentimos algo que não eh correspondido... Fica a experiência para a próxima platonice, q com certeza estah fadada a ser bm parecida com a última...

Ps. O processo eh de partilha... Coisas da vida... Bjss

fevereiro 03, 2006 8:14 AM  
Anonymous Anônimo said...

Sua intuição funcionaria melhor se vc não a confundisse com suas neuroses!!!!!!
Beijos

fevereiro 03, 2006 3:23 PM  
Blogger A. Diniz said...

jamais desconsidere o seu sexto-sentido, afinal de contas isso me impediu varias vezes de embarcar em bad-trips ao redor do brasil.

No mais, mulher é como cachaça, como sempre digo - começa como algo para descontrair, só que no fim da noite só faz a gente fazer merda e dá dor de cabeça no outro dia.

E pra fechar, vc não verá de onde veio a bala do assalto a banco.

fevereiro 03, 2006 6:26 PM  

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