sábado, outubro 25, 2008

Nosso tirinho

Estamos montando apartamento. Eu não gosto dela, mas o sexo é muito bom. Ou quase. Estou num momento místico da minha vida. Nada mais me aporrinha, nem mesmo o calor de 38 graus.
Estamos focando em nossas carreiras, nesse momento. Ela acha a maior brisa eu levar trabalho pra casa, eu digo que ela está de onda. Meu pai era malufista, o dela amava o Brizola.

A pele dela é branca, de pó-de-arroz. Diz que a babá encharcava a bunda dela de talco, mas ela às vezes acha que podia ser pó royal. Cal virgem, gesso em pó, giz de escola. Coço muito o nariz, enfio o dedo lá no fundo. Minha rinite tá atacada. "Você não tem nojo, amor?"/ "Não, vem cá pra eu te espremer os cravos". Nossa vida quotidiana é tão gozadinha...

***

Belo dia encontro ela empapuçada, suada, amassada. Como se tivesse vindo num ônibus lotado. Acordou de um sonho ruim, na certa. Eu tiro o paletó, apanho uma lata de Coca em cima da geladeira. Levei um copo, ela queria canudo. Sou muito distraído.

As coisas iam bem, mas a gilete sumiu e fiquei uma semana sem fazer a barba. De barba malfeita, dispensei também o espelhinho. O fato é que nem por isso deixei de cuidar da aparência. Nós dois, todos os dias, malhávamos. Malhávamos muito, malhávamos bem, malhávamos cada vez melhor. Nossa vida era uma malhação só.

E então eu acreditava que nosso relacionamento podia dar certo. Eu era médico e monstro, padre e cafetão dela. Quando a gente se perdia um no outro, nos achávamos nas trilhas de luz branca, fachos puríssimos de um claro brilhante. Havia um desequilíbrio, uma dependência. Era tóxico o nosso gostar. Mas estávamos sempre elétricos, sempre bem, sempre a postos para atender o telefone, pagar o entregador ou transar na escada de emergência gemendo alto pra escandalizar os caretas do prédio. A gente tinha muita disposição. E eu não achei que um dia eu fosse dormir e nunca mais acordar daquele pesadelo, daquela bad trip que se apossou de mim.

Uma rebordosa violenta, uma briga, lítigio bobo por causa de 200 gramas de mussarela. Dona Benta, a vizinha, ouviu o barulho e chamou a polícia. O delegado, antes de me algemar, perguntou o que eu tinha feito. Eu não tinha feito nada. Apenas percebi que havia sangue no lençol, uma arma na minha mão e pólvora nos meus dedos. Ela parecia enfim descansar, o rosto tranqüilo, a boca vermelha como uma taça de Cynar.

Nunca mais. Nunca mais comi coco ralado.

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ei, Deco, participei do XI Prêmio Ideal Clube de Literatura, aqui em Fortaleza, e fiquei em 8ª colocação, com o conto QUANDO MADALENA CHAMA. De lá, fui comemorar em uma calourada da UECE... Cara, lá tava mais para "FUMEC" que pra "UECE"... huahuahua! Forte abraço!

outubro 25, 2008 3:09 PM  
Blogger K said...

Eu si divirto com seus contos meio surreais...
Me lembram um pouco aquele livro "Estorvo".
Beijos

outubro 26, 2008 6:03 PM  

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