segunda-feira, julho 17, 2006

Uma crônica massa e uma "dupla de dois"

A cabra e Francisco

Madrugada. O hospital, como o Rio de Janeiro, dorme. O porteiro vê diante de si uma cabrinha malhada, pensa que está sonhando.

- Bom palpite. Veio mesmo na hora. Ando com tanta prestação atrasada, meu Deus.

A cabra olha-o fixamente.

- Está bem, filhinha. Agora pode ir passear. Depois volta, sim?

Ela não se mexe, séria.

- Vai cabrinha, vai. Seja camarada. Preciso sonhar outras coisas. É a única hora em que sou dono de tudo, entende?

O animal chega mais para perto dele, roça-lhe o braço. Sentindo-lhe o cheiro, o homem percebe que é de verdade e recua.

- Essa não! Que é que você veio fazer aqui, criatura? Dê o fora, vamos.

Repele-a com jeito manso, porém a cabra não se mexe, encarando-o sempre.

- Aiaiai! Bonito. Desculpe, mas a senhora tem de sair com urgência, isto aqui é um estabelecimento público. (Achando pouco satisfatória a razão). Bem, se é público devia ser para todos, mas você compreende... (Empurra-a docemente para fora, e volta à cadeira).

- O quê? Voltou? Mas isso é hora de me visitar, filha? Está sem sono? Que é que há? Gosto muito de criação, mas aqui no hospital, antes do dia clarear... (Acaricia-lhe o pescoço.) Que é isso! Você está molhada? Essa coisa pegajosa...O que: sangue?! Por que não me disse logo, cabrinha de Deus? Por que ficou me olhando assim feito boba? Tem razão: eu é que não entendi, devia ter morado logo. E como vai ser? Os doutores daqui são um estouro, mas cabra é diferente, não sei se eles topam. Sabe de uma coisa? Eu mesmo vou te operar!

Corre à sala de cirurgia, toma um bisturi, uma pinça; à farmácia, pega mercúrio-cromo, sulfa e gaze; e num canto do hospital, assistido por dois serventes, enquanto o dia vai nascendo, extrai da cabra uma bala de calibre 22, ali cravada quando o bichinho, ignorando os costumes cariocas da noite, passava perto de uns homens que conversavam à porta de um bar.

O animal deixa-se operar, com a maior serenidade. Seus olhos envolvem o porteiro numa carícia agradecida.

- Marcolina. Dou-lhe este nome em lembrança de uma cabra que tive quando garoto, no Icó. Está satisfeita, Marcolina?

- Muito, Francisco.

Sem reparar que a cabra aceitara o diálogo, e sabia o seu nome, Francisco continuou:

- Como foi que você teve idéia de vir ao Miguel Couto? O Hospital Veterinário é na Lapa.

- Eu sei, Francisco. Mas você não trabalha na Lapa, trabalha no Miguel Couto.

- E daí?

- Daí preferi ficar por aqui mesmo e me entregar a seus cuidados. Não posso explicar mais do que isso, Francisco. As cabras não sabem muito sobre essas coisas. Sei que estou bem ao seu lado, que você me salvou. Obrigada, Francisco.

E lambendo-lhe afetuosamente a mão, correu os olhos para dormir. Bem que precisava.

Aí Francisco levou um susto, saltou para o lado:

- Que negócio é esse: cabra falando?! Nunca vi coisa igual na minha vida. E logo comigo, meu pai do céu!

A cabra descerrou um olho sonolento, e por cima das barbas parecia esboçar um sorriso:

- Pois você não se chama Francisco, não tem o nome do santo que mais gostava de animais neste mundo? Que tem isso, trocar umas palavrinhas com você? Olhe, amanhã vou pedir ao Ariano Suassuna que escreva um auto da cabra, em que você vai para o céu, ouviu?



Estrambote

Que um dia Francis Jammes abra
lá no alto seu azul aprisco
Mande entrar Marcolina, a cabra,
e seu bom amigo Francisco.



"A cabra e Francisco.", Carlos Drummond de Andrade. In: Cadeira de Balanço. 8ª ed., Rio de Janeiro. José Olympio, 1976. p.95-97.



***

Chorando no campo...

Embora me deprima um pouco, uma banda que curto desde 2002 (e já ouvia falar muito neles mesmo antes disso, já que convivia nos tempos de ginásio com uma menina que era fanática pelos caras) é o Tears for Fears - "Tias Fofinhas", segundo meu amigo PH. Creio até que já fiz referência a eles neste blog. (Sim, eu fiz:
O que eu não sabia - e descobri xeretando na net - é que a "BANDA" é, na verdade, UMA DUPLA. Uma dupla de dois:



O Tears for Fears é uma dupla de rock pop dos anos 80, formada por Roland Orzabal (voz e guitarra), o cara à esquerda na foto, e Curt Smith (voz e baixo). A música da dupla sempre foi criada por Orzabal, principal compositor, que se baseava nas teorias psicanalistas de Arthur Janov (Grito Primal), que deu origem ao nome do grupo.

Vindos do grupo de ska Graduate (dissolvida no início da década de 80) o grupo lança o álbum The Hurting (1983), onde apresentam uma música mais orientada pelo techno. Mas o álbum de maior sucesso, e considerado a obra máxima do grupo, é Songs from the Big Chair (1985), contando com a participação de Ian Stanley nos teclados e Manny Elias na bateria. O disco viria a vender mais de 10 milhões de cópias, e sucessos como Everybody Wants to Rule The World e Shout (ambas atingindo o 1º lugar nas paradas americanas) e Head Over Heels (3º lugar). O grupo sairia em turnê para só depois de quatro anos lançarem outro disco, mais pop ainda do que os anteriores, chamado Seeds of Love (1989). Hits como Sowing the Seeds of Love, Advice for the Young at Heart e principalmente a balada Woman in Chains (lançando a cantora Oleta Adams, antes desconhecida) atingem as paradas.

As diferenças na dupla acarretam muitas brigas e o grupo se separa, e então é lançada a coletânea Tears Roll Down (Greatest Hits 1982-1992). Orzabal (ainda com o nome de Tears for Fears) lança em 1993 o àlbum Elemental, que ainda conseguiu relativo sucesso com Break it Down Again, e Smith lança o fracassado Soul on Board. Seguem-se ainda Raoul and the Kings of Spain (1995, por Orzabal, porém mantendo o nome Tears for Fears) e Saturnine Martial & Lunatic em 1996. A dupla se reencontra em 2003 com a intenção de obter novamente o sucesso, com o álbum Everybody loves a Happy Ending.

Fonte: Wikipédia.

Pô, cada coisa que a gente descobre. Porque essa dupla aí era uma fábrica de hits dos anos 80. Quer ver?
Veja se você conhece essa canção aqui:
(O cara segurando a pilha de livros NÃO É o Kiko do KLB!)
E essa aqui:
Tem essa também:
(Essa machuca o coração).
E ainda essa:
Pois é, meus amigos. Um "crássico" nunca morre.

Voltamos a qualquer momento.

5 Comments:

Blogger Pedro Henrique said...

Yep, Tias Fofinhas! Já achei mais interessante, não me atrai muito ultimamente, mas sempre tem um espaço reservado num "Love Ballads".
E maneiro esse texto!!!!!!!
Aquele abraço!

julho 17, 2006 11:51 PM  
Anonymous Anônimo said...

Pronto... agora não te devo mais a visita... Quer dizer, já não devia anteontem... mas aí vi que o post era grande e resolvi ler depois... Agora sim... tudo certo!
Como seu blog anda cultural... Só acho que nos próximos posts podia ter algum conteúdo que não remetesse a seus fantasmas... Tá na hora de trancá-los numa garrafa e jogar no mar... Só não me pergunte como se faz isso porque também não sei...
Ah! E antes que me esqueça, cuide bem do meu diploma!!!!!!!!
Bjs

julho 21, 2006 1:58 AM  
Anonymous Anônimo said...

A propósito... Cabras não têm muitas ambições!

julho 21, 2006 1:59 AM  
Blogger Vida Bandida said...

Que tal uma atualização??
Bjo!

julho 21, 2006 9:34 AM  
Anonymous Anônimo said...

O santo dos bichos era o de Pádua ou o de Assis? Fiquei com essa dúvida depois de assistir O Auto da Compadecida. Bela crônica.
Quanto ao "tias fofinhas", nunca fui muito fã. Sempre tem duplas e grupos que se separam e o mais oportunista (ou sortudo) mantém o nome original para vender.
E falando em música, você acredita que sonhei com o James Blunt??? É praga isso, só pode ser... hahahaha
Bjus Rafa!

julho 21, 2006 10:07 AM  

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