quarta-feira, abril 27, 2011


A dor da perda é muito sentida. Minha amada vó Itália marcou presença em minha vida por 27 anos. E foi sempre uma presença muito forte. Das minhas fraldas que ela trocou enquanto minha mãe trabalhava. Das orações à Santa Rita de Cássia, São Judas Tadeu, Santo Expedito e todos os santinhos de sua devoção em minhas inúmeras doenças de criança. Sua fé sempre foi inabalável. Como eu tardasse a começar a falar, quando menino, ela acreditou na simpatia de colocar um periquitinho pra piar dentro da minha boca. Funcionou. Não falo muita coisa que preste, mas falo desde então.



Lembranças esparsas me fazem notar que era minha avó quem estava na cozinha e foi uma das primeiras a chegar à sala, assustada, quando no dia em que meu irmão nasceu, na ânsia de vê-lo, rolei abaixo a escada do sobrado. Também foi minha vó quem desesperada telefonou para minha mãe, dizendo com aquele seu jeito trágico exagerado que "havia acontecido uma tragédia", quando caí de bicicleta e abri um corte na cabeça.



Foi minha vó quem me seguiu, à distância, no primeiro dia em que fui sozinho para a escola, a pé. Queria ver se eu atravessava direitinho a avenida.



É engraçado, mas até meu primeiro emprego eu devo à velhinha. Foi ela quem atendeu a ligação de minha ex-chefe e, com aquele jeito inconfundível de dona Itália, me recomendou pra vaga que estava em aberto, falando coisas de vó. Que seu neto era muito inteligente, mas não tinha tido uma oportunidade. Que ele estava há mais de um ano procurando. "Agradeça à dona Itália. Por causa dela te contratei", me diria a Áurea, cativada.



É, vó. A senhora morria de medo de morrer. Permaneceu atenta até o fim, cuidando de si, pintando o cabelinho, as unhas das mãos, dos pés. Sei que devia sofrer com as dores mais do que nós imaginávamos. Só a senhora sabia que nem tudo era "manha" sua. Eu achei que a senhora ficaria por aqui mais do que esses 81 anos que ficou. Que ia alcançar seus bisnetos, como tanto queria. Mas Deus foi bom com a senhora: sabendo o quanto você sofreria em aguardar a morte, te levou de supetão, sem dor e sofrimento.



No sábado, minha avó voltou de uma caminhada aqui pelo condomínio. Tinha encontrado na praça uma vizinha, que cuidava da calopsita de minha mãe enquanto esta viajava. E então dona Itália me disse: "Olha fio, acredita que o passarinho me reconheceu? Passei por ela e ela voou direto no meu ombro. Fiquei tão emocionada..." . Foi uma das últimas emoções que pode sentir. Minha avó Itália passou mal no domingo, foi internada e morreu na tarde dessa segunda. Como eu disse, sem dor e sem sofrimento.



No meu peito, fica um vazio imenso. Perdi a minha segunda mãe, a mulher que cuidou de mim com tanto amor, zêlo e carinho. Consola-me saber que, um dia, estaremos juntos novamente.



Eu te amo, minha avó. Vá em paz, esteja com Deus e com os anjos.



Do teu sempre,





Rafinha.

quarta-feira, janeiro 05, 2011

Novela Ronaldinho

A contratação do Ronaldinho Gaúcho é a novela mais chata desse começo de ano. Mas e se a vida do Ronaldinho Gaúcho fosse uma novela? Estive pensando nisso. Eis o resultado a que cheguei:


A) de Manoel Carlos

Ronaldinho Gaúcho é um jovem jogador de futebol. É muito apegado à sua mãe, dona Miguelina e ambos vivem no Leblon. Porém Assis, um ex-jogador e empresário inescrupuloso, controla e manipula o irmão, impedindo-o de se casar com Helena, uma jovem estilista de origem humilde. Como pano de fundo, campanhas contra o uso de anabolizantes, estórias paralelas sobre alcoolismo e sobre o mundo da prostituição e das maria-chuteiras, tudo recheado com intermináveis diálogos de 5 horas.

B) de Gilberto Braga

Ronaldinho Gaúcho é um jogador que quer fazer carreira e subir na vida a qualquer preço. Para isso, mancomunado com Assis (seu irmão e empresário, amoral como ele), tira fotos comprometedoras de um diretor das categorias de base do Grêmio envolvido com jovens jogadores do clube e o chantageia para aceitá-lo no time e, posteriormente, elevá-lo à equipe principal. Uma vez astro, se vê às voltas com Francisco Tang, um jornalista investigativo que descobre um escândalo desta vez envolvendo o próprio Gaúcho, e ameaça publicá-lo. Tang aparece morto no Morro da Chatuba e, até o final da novela, o público tenta descobrir quem o matou.

C) de Glória Perez

Ronaldinho Gaúcho é um jogador decadente que aceita convite para jogar no Catar, o que dá a autora o ensejo para retratar a peculiar cultura daquele país, com todas as suas expressões e bordões de ocasião. A facilidades de voos e viagens característicos dos folhetins de Glória permitirá ao Gaúcho jogar, simultaneamente, os campeonatos do Catar e do Brasil. Mas ele preferirá as baladas com a Mel farinheira de "O Clone", e não jogará nenhum dos dois. A novela ainda terá a participação de Ronaldo Fenômeno, que ao se internar para fazer uma lipo será clonado por um cientista louco e inescrupuloso, interpretado pelo Juca de Oliveira.

D) Aguinaldo Silva

Ronaldinho Gaúcho é um cabra da peste jogador do Náutico, que durante as noites de lua-cheia vira uma criatura abestada conhecida como chupa-cabras, que assombra uma cidadezinha do sertão. Como pano de fundo, Zenilda, a dona do maior puteiro do Nordeste, recebe jogadores famosos e carnavalescos em geral em cômicas situações esdrúxulas.

E) Novela mexicana


Ronaldinho Gaúcho ama Maria, uma moça muito pobre. Maria também ama Ronaldinho Gaúcho. Mas Assis, seu irmão invejoso e inescrupuloso, também ama Maria e fará de tudo para afastá-la do irmão. Apoiará Assis sua mãe, dona Miguelina, uma nova-rica que tem horror à idéia de que seu filho se case com uma pobretona. Quando Maria engravida de seu amor, Assis e a mãe roubam-lhe a criança e a enviam para ser criada por Pescarmona, um humilde diretor de futebol que vive em pé de guerra com sua mulher, Sra. Beluzzo, e com seus filhos, Kleber e Valdívia. Somente 20 anos depois é que Maria reencontrará o filho perdido, após ela ter enriquecido vendendo flores na Cidade do México. Sem saber da armação do cunhado e da sogra, Maria tem ódio de Ronaldinho Gaúcho, achando que foi abandonada e sacaneada pelo mesmo. O procurará para se vingar, mas durante o processo descobrirá que ainda o ama.
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E se fosse na Malhação, ele pagaria uma rodada de suco pra galera.
Abraços,
Rafa.

quarta-feira, setembro 01, 2010

Vai, Corinthians!

Naquele longínquo domingo de dezembro de 2007, eu estava sentado no sofá de casa, olhar perdido no nada, nada nos meus pensamentos. Não acreditava no que estava acontecendo. Via na tevê as expressões desesperadas nos rostos dos corintianos e me sentia menos corintiano do que eles, porque eu não tinha lágrimas para chorar. Queria, mas não podia chorar. E não porque seja insensível ao futebol: havia chorado em 99, quando o Corinthians foi injustamente eliminado da Taça Libertadores pelo nosso arquirrival. Havia chorado quando o medíocre lateral Coelho marcou contra a Ponte Preta o gol que seria o do título brasileiro de 2005 - até que outros resultados adiaram o mesmo para dali a algumas rodadas. Havia chorado vendo o VT do histórico gol do título de 77. Havia chorado até por coisas que nada tinham a ver com o Corinthians, como a derrota na final da Copa de 98. Mas ali, vendo o meu grande amor caindo de divisão, a sensação era diferente do que eu esperava. A ficha não caía de jeito nenhum. Imagina, o Corinthians na Série B? De jeito maneira! Mais fácil o mundo acabar antes!

Se já me parecia impossível e ridícula aquela hipótese que se realizava ante meus olhos, seria mais risível ainda outra: imaginar que, menos de três anos depois, a alegria estaria estampada no rosto de quem chorava ali. E a raiva invejosa nos dos que riam ditosos do nosso infortúnio. Se naquele domingo um astronauta do futuro aparecesse para me dizer que, dali dois anos e pouco, o Corinthians estaria anunciando um estádio moderno, de primeiro mundo, preparado para abrir um Mundial de Futebol, eu diria: Ah vá! Se o mesmo me dissesse que eu gritaria gol do Ronaldo Fenômeno, comemoria títulos maravilhosos logo depois de voltar da Série B, veria a construção de um dos melhores Centros de Treinamento do mundo, lojas com produtos oficiais e o marketing explorando toda a força da marca CORINTHIANS... Eu não creria, pois as gestões anteriores tornaram descrentes todos os corintianos, fizeram-nos esquecer que o Corinthians com sua mística e torcida é a marca esportiva mais forte do Brasil. Apanhamos tanto daqueles pilantras que foi preciso um rebaixamento e uma diretoria com ideias novas pra resgatar a nossa autoestima. E quando isso acontece, amigo... O Corinthians se torna INSUPORTÁVEL.

Que o diga os anticorintianos que, após 23 anos de "zoações", tiveram que engolir a festa permanente que começou depois daquele "paulistinha" de 77. Ter que aguentar a exibição ad infinitum do gol do pé-de-anjo Basílio, um gol mais visto do que o milésimo do Rei Pelé e os do São Paulo nos intercontinentais que ganharam na década de 90. Os "anti" também tiveram que aguentar, valentemente, a festa da nação depois do gol do Tupãzinho em 90: só o Corinthians não tinha um título nacional até então. "Timinho regional", diziam. Com o timaço do final de década de 90 - o qual tive o prazer de ver e que descreverei em detalhes para os meus netos - veio a supremacia do Corinthians, um dos grandes papões de títulos do Brasil. Ah, mas não tem Libertadores! Os antis não desistem, não se cansam de serem "ownados". O que vão dizer quando a bendita Libertadores vier? Talvez o mesmo que dizem do nosso Mundial Fifa: não vale. Não passou na Globo, não foi disputado no Japão, o Corinthians jogou com 11, a bola era redonda. Não vale! Foi roubado, não vale. Não tem estádio. Não temos estádio? Ah, mas o estádio vai ser em Itaquera! Vai ser com dinheiro roubado, o Lula mandou fazer, as Farcs, o bin Laden. É do Corinthians. Não vale.

E de "não vale" em "não vale", tamos aí. Uma história gloriosa que completa cem anos, do time que nasceu lá atrás, sob a luz dos lampiões, time de barbeiros, operários, sapateiros, alfaiates. Time que popularizou o futebol em São Paulo, que despontou rápido como uma força nacional, mundial. Qualquer coisa que eu aqui disser vai cair na mesmice: todo mundo conhece o Corinthians, sua força, sua história, sua grandeza. Quem não é corintiano, nega da boca para a fora aquilo que sente no coração: o Corinthians é fonte constante de admiração. Quando está por baixo, admira-se sua capacidade de reerguer-se, a força de sua torcida que nunca o abandona, sua superação em cada partida, em cada campeonato. Quando está por cima, é difícil a vida de quem não é corintiano: o Corinthians é o assunto de todos os veículos de mídia, de todos os taxistas, padeiros, balconistas, ascensoristas, zeladores de prédio, dentistas, engraxates. Talvez a solução fosse sair de circulação por uns dias, mas palmeirense, são-paulino e santista também precisa trabalhar. Hoje, dia 1º de setembro, é um dia assim: festa do povo. Orgulho renovado em ser corintiano. Aliás, o orgulho de ser corintiano carregamos no peito todos os dias. Só que hoje esse orgulho foi elevado à enésima potência: o Corinthians é lindo, é centenário, é coberto de glórias dentro e fora dos campos.

Como é impossível descrever de forma adequada todo esse sentimento, vou encerrar por aqui. Primeiro agradecendo à minha família corintiana, notadamente minha mãe e meus avós, que me ensinaram a beleza de torcer pra esse time. Ensinaram os primeiros passos, porque o amor eu aprendi sozinho. Ao vô Nicola, corintiano que não assiste jogo do Timão porque tem medo de ter um enfarte. Ao vô Fábio, que teve a alegria de vivenciar 77, para ao menos ter o alívio da quebra do jejum antes de partir em 82.

E a Marcelinho, Vampeta, Rincón, Gamarra, Dida, Ricardinho, Dinei, Edílson, Tevez, Luizão, Ronaldo... Craques que acompanhei consciente e que me fizeram vibrar e sentir a magia de ser corintiano.

Parabéns, meu Corinthians! Que você seja ainda mais forte no seu bicentenário. Se é que isso seja possível.

quarta-feira, março 31, 2010

Melancolia

De repente um vento gelado envolve o meu corpo, como se o calor da tarde também me abandonasse. É estranho se sentir assim, como que desligado do mundo.
Estar dançando no meio da pista, envolvido pelo barulho da música, dos gritos e o som mudo dos gestos das pessoas, antes de uma luz de transição cair sobre si. E então você se vê sozinho, no meio da rua, com os ouvidos cheios de ecos, as melodias todas rolando apenas dentro da cabeça.
Fogem-me as palavras, como gatinhos ariscos. Persigo-as, tentando prender tudo dentro do texto coeso e coerente. Não, deixa como está. O fato é que antes eu vinha falando muitas bobagens. Meu silêncio tem sido terapêutico. Minha omissão se tornou uma ação de generosidade. Hão de reconhecer, um dia.

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Do amor e outras bobagens

É loucura, ou talvez a carência mais uma vez me impedindo de usar a razão.



Mas eu queria estar frente-a-frente com ela de novo. Dizer que nunca cheguei a esquecê-la. Que sinto falta de abraçá-la, daquele jeito que só eu sei, e de fazer amor com ela, daquele jeito que fazíamos e que ela me dizia - eu acreditei - que era maravilhoso, inesquecível, o melhor que ela já tivera.



Sinto falta do cheirinho dela, do corpinho branquinho, esguio, que tão bem se encaixava no meu. E dos sussurros, e das palavras, e do cabelo dela caindo na minha cara e me sufocando.



Sinto falta das bobagens que a gente falava e dela dizendo que estava sentindo a nossa filha imaginária na barriga dela. E eu achando lindo aquele absurdo.



Sinto falta de toda aquela loucura e de saber que mesmo com todos os perrengues, paranoias, ciúmes, dramas, mesmo com tudo isso tudo era mais simples.



Sinto falta de me sacrificar por ela.



Sinto falta de não olhar tanto para qualquer mulher na rua, porque ela me bastava. Ela era a minha gostosinha, só minha, não precisava de outras.



Sinto falta dela admirando minha inteligência, mesmo com um pinguinho de inveja nessa admiração.



Sinto falta de vê-la chorando, lágrimas de crocodilo na maioria das vezes. E de sentir um aperto no peito mesmo sabendo que era fingimento.



Sinto falta da impaciência dela. Com a mãe, com os amigos, comigo, com o cachorro para o qual ela não dava mais atenção. Sinto falta da menina que enjoa muito rápido dos brinquedos.



Sinto falta das mãos dela, tão pequeninas. E tão nervosas, agitadas, inquietas. Sinto falta dos pezinhos, nus ou calçados em meias finas.



Sinto falta do ventre dela, que eu toquei marotamente num dia de novembro e que proporcionou nosso primeiro contato sensual. E a partir daí foi aquela loucura toda.



Sinto falta também da boca pequena e imperfeita, mas de onde saíram grandes beijos.



Sinto falta, acima de tudo, da inteligência dela. Inteligência até nas opiniões furadas, retrógradas, polêmicas, equivocadas. Aprendi a aceitar, a considerar e a interagir com os disparates que aquela cabecinha produzia. E num mundo equilibrado onde me penduro atualmente, sinto falta delas.



Sinto falta dela causando o tempo todo na minha vida. E me chamando de cagão, implicando com a minha suposta apatia.



Sinto falta de sair do sério, de pegá-la pela cintura e apertá-la, chacoalhá-la, perguntar se ela queria me deixar louco. E da cara de espanto dela com essa situação, misturado com tesão, com outras coisas. Uma química doida, mistura de ácido e base gerando um êxtase, uma explosão, uma vontade maluca de se entregar e de gozar.



Sinto falta dela ao telefone, contando prosaicamente, do jeito que só ela sabe, fatos banais do seu dia.



E sinto falta da amiga que perdi, além da amante.



Se eu deveria ter me casado com ela? Provavelmente não. Mas que papel ela poderia ter assumido na minha vida?



O fato é que ela partiu e deve ter me esquecido. Eu também a deveria ter esquecido. Mas por que não esqueci?



Isso tudo é loucura, ou apenas a merda da carência. Mas eu queria vê-la de novo.

sexta-feira, outubro 30, 2009

Casais com filhos não podem morar num loft

Vou lhe contar uma coisa, Carlos, todo mundo sempre achou que minha vida é fácil porque eu sou muito rico, mas a vida do rico é mais difícil que a do pobre. O pobre pega ônibus lotado e trabalha o dia todo, mas quando ele chega em casa consegue se desligar do mundo, jantar em paz com a família, assistir as 3 novelas que passam de noite e, lá pelas 10 horas, bota a cabeça no travesseiro e dorme feito uma pedra. Eu não. Eu estou com uma úlcera nervosa e não passa um dia sem que eu receba ligações no celular com algum problema da empresa para resolver. Perco assim as poucas horas do dia que poderia passar fazendo alguma coisa agradável. Para piorar, já tem vários meses que sofro de insônia crônica e já aconteceu de eu passar várias semanas seguidas dormindo apenas três horas por noite.
Carlos, você é homem e deve saber como é horrível a sensação de não satisfazer sexualmente a sua parceira. Pois eu estou imprestável na cama, tanto com minha mulher quanto com minha amante. E o pior, Carlos, é que não consigo me livrar de nenhuma das duas. Minha mulher, se eu lhe der um chute, leva tudo o que eu tenho. E, de qualquer maneira, ela é uma boa mulher, uma boa mãe, uma esposa lúcida, econômica, discreta, elegante, filha de um homem fantástico... Eu já lhe disse a adoração que tenho pelo meu sogro, o Dr. Eduardo Telles Maia? Comecei como boy na empresa dele, ele me deu tudo, é um homem fantástico, um benemérito, me casou com a filha dele, ensinou tudo o que eu sei, me tirou da cadeia, pagou advogado, abafou o caso em que estive envolvido, do qual não quero falar agora... Também em consideração ao Dr. Eduardo é que nunca fui capaz de magoar a Lúcia, ela também ama o pai, confia muito nele, conta tudo para ele.
Mas, Carlos, o fato é que tem dois meses que eu não consigo fazer a Lúcia ter um orgasmo. Me sinto um imprestável, quanto mais ela se mostre compreensiva. Compreensiva mesmo nos dias de puro estresse, em que meu pau não levanta de jeito nenhum, e ela faz uma cara compassiva e me diz "meu bem, isso acontece, você está trabalhando demais, deixa que eu te faço uma massagem". A massagem da Lúcia é péssima, me deixa inteiramente moído. Até prostituta de cinquenta reais já me fez massagem melhor.
Minha amante é mais jovem, mais atraente e totalmente submissa, como deve ser uma amante. Nunca me ameaçou nem chantageou, mas tenho medo dela. Conheço coisas desabonadoras sobre seu passado. Nunca se deve confiar numa mulher, mesmo que ela seja uma mulher muito religiosa, aliás, dessas é que mais devemos desconfiar, sempre me disse o Dr. Eduardo, que perdeu a esposa muito cedo, porque a mãe da Lúcia foi levada pelo câncer quando ela tinha nove anos de idade. É a pura verdade. Você sabe, Carlos, o quão pérfidas e manipuladoras são as mulheres. Lúcia? Também é. Sei o que disse há pouco, que ela é uma santa mulher e que, por isso, não a chuto. Mas também Lúcia é manipuladora, e pérfida. E me obrigou a se casar com ela usando o pai, ela sabia que eu faria qualquer coisa que me pedisse o Dr. Eduardo. O Dr. Eduardo me chamou um dia no escritório, me disse "pega, experimenta um desses, mandei trazer de Cuba" e fumamos por um bom tempo, os dois calados, o Dr. Eduardo sempre pensa muito antes de dizer alguma coisa, e enfim ele me disse "Eu faria muito gosto que você namorasse a Lúcia", e um ano depois eu estava entrando na igreja, uma cerimônia linda, a Lúcia escolheu as músicas, os arranjos, tudo, ela tem excelente gosto, e a festa foi arrasadora, reuniu a melhor sociedade da época, e eu ainda era um bichinho do mato, arisco, me cagando na frente daqueles figurões. É controverso isso, porque sempre fui muito inteligente, seguro de mim mesmo e com tino pros negócios, mas no começo eu não me sentia à vontade, sentia como se tivesse invadido a vida de outra pessoa, uma vida que não era para mim, você está entendendo o que estou dizendo? Os anos se passaram e eu fui amadurecendo aquilo, creio que com a ajuda da Lúcia e do Dr. Eduardo, e me esqueci completamente que já usei um dia meia furada, que já comi pão com mortadela no balcão da padaria e que já fui ao baixo meretrício, comer aquelas baianas com tatuagem no rêgo. Já lhe falei o quão escroto eu acho que é uma mulher ter tatuagem? A Lúcia tem a pele lisinha, branca, uma tez maravilhosa, mesmo agora, com quase cinquenta anos. Nossa filha queria fazer uma tatuagem, eu ia proibir, mas Lúcia me disse "querido, deixe que eu falo com ela", e ela demoveu minha filha da ideia, não sei quais argumentos usou, mas nunca mais se falou no assunto. Lúcia é uma boa mãe, aliás, uma ótima mãe.
Sinto que estou fugindo do assunto. Carlos, minha vida está um inferno. Estou perdendo tempo, dinheiro. Tempo é dinheiro, e o tempo é o senhor da razão. Logo, o dinheiro é o senhor da razão. Isso talvez explique porque eu defino minha vida, sempre que perguntado, como "uma loucura". Minha terapeuta quer que eu tire férias, ela acha que é simples assim, que eu posso reunir meus diretores e dizer "senhores, eu estou tirando férias, vou para algum lugar no Caribe ou no nordeste do Brasil salgar a bunda, e deixar vocês explodirem com a empresa na minha ausência". Sabe quando o Dr. Eduardo tirou férias, desde que fundou a empresa que eu hoje dirijo? Somente no dia em que me casei com Lúcia e assumi as funções dele. Desde então ele vive férias permanentes, mas está sempre dizendo que a vida dele está uma bosta. Isso me desespera. Será que minha vida será permanentemente uma bosta também? É o que lhe digo, o pobre trabalha a vida toda, mas um dia se aposenta, porque Getúlio Vargas deu esse direito aos pobres. O rico não se aposenta, a gente não se aposenta de um padrão de vida.
Carlos, você sabe que é como um filho para mim e se te deleguei tantas responsabilidades, é porque sei que você dará conta. Mas entenda uma coisa, já que você e Karina, minha amada primogênita, vão começar uma vida agora: casais com filhos não podem morar num loft. Cachorro não é filho, eu não sou avô de cachorro. E quero que você durma todas as noites. Você pode vir aqui? Estou me sentindo muito só.

segunda-feira, outubro 26, 2009

Sensações

Muita luxúria. Muita energia procurando um canal pra sair do meu corpo, da minha mente, dos órgãos saudáveis. O perfeito funcionamento físico, alavanca bem lubrificada.

Labirinto minha mente. Ideias em espiral. Muita luxúria. O Anjo Pornográfico. Perdão a Nelson Rodrigues pelo epíteto que estou roubando.

Labirinto e muita bandalheira na minha cabeça. Cheiro, forma e cor. Curvas. Vontade de tatear o convexo da cintura de certas mulheres e agarrar firme a carne, como um náufrago agarraria a tábua de salvação. Apertar nádegas, bulir coxas, escorregar a mão por locais cheios de sombra, mistério, aroma e fantasias. Despir-nos. Das convenções, das roupas, do certo e do errado.

Não. Nessa fantasia não há mais espaço para absurdos. Quero um sexo limpo, perfeito, romântico e antirromântico. Quero o amor. O amor que não existe, e jamais existirá. O amor que não é apenas o ato, mas a justificativa.

Quero acordar sem sobressaltos. Quero que o sonho seja mais compensatório. Quero ver o mundo de novo com os olhos de uma criança e, ainda, quero ver o sexo com os olhos de uma criança. A eterna criança que vê a vida pelo buraco da fechadura. (Novamente: perdão, Nelson). A eterna criança que sou. Uma criança-máquina, alavanca bem lubrificada. Mas que só funcione a seu bel-prazer.