A cabra e Francisco
Madrugada. O hospital, como o Rio de Janeiro, dorme. O porteiro vê diante de si uma cabrinha malhada, pensa que está sonhando.
- Bom palpite. Veio mesmo na hora. Ando com tanta prestação atrasada, meu Deus.
A cabra olha-o fixamente.
- Está bem, filhinha. Agora pode ir passear. Depois volta, sim?
Ela não se mexe, séria.
- Vai cabrinha, vai. Seja camarada. Preciso sonhar outras coisas. É a única hora em que sou dono de tudo, entende?
O animal chega mais para perto dele, roça-lhe o braço. Sentindo-lhe o cheiro, o homem percebe que é de verdade e recua.
- Essa não! Que é que você veio fazer aqui, criatura? Dê o fora, vamos.
Repele-a com jeito manso, porém a cabra não se mexe, encarando-o sempre.
- Aiaiai! Bonito. Desculpe, mas a senhora tem de sair com urgência, isto aqui é um estabelecimento público. (Achando pouco satisfatória a razão). Bem, se é público devia ser para todos, mas você compreende... (Empurra-a docemente para fora, e volta à cadeira).
- O quê? Voltou? Mas isso é hora de me visitar, filha? Está sem sono? Que é que há? Gosto muito de criação, mas aqui no hospital, antes do dia clarear... (Acaricia-lhe o pescoço.) Que é isso! Você está molhada? Essa coisa pegajosa...O que: sangue?! Por que não me disse logo, cabrinha de Deus? Por que ficou me olhando assim feito boba? Tem razão: eu é que não entendi, devia ter morado logo. E como vai ser? Os doutores daqui são um estouro, mas cabra é diferente, não sei se eles topam. Sabe de uma coisa? Eu mesmo vou te operar!
Corre à sala de cirurgia, toma um bisturi, uma pinça; à farmácia, pega mercúrio-cromo, sulfa e gaze; e num canto do hospital, assistido por dois serventes, enquanto o dia vai nascendo, extrai da cabra uma bala de calibre 22, ali cravada quando o bichinho, ignorando os costumes cariocas da noite, passava perto de uns homens que conversavam à porta de um bar.
O animal deixa-se operar, com a maior serenidade. Seus olhos envolvem o porteiro numa carícia agradecida.
- Marcolina. Dou-lhe este nome em lembrança de uma cabra que tive quando garoto, no Icó. Está satisfeita, Marcolina?
- Muito, Francisco.
Sem reparar que a cabra aceitara o diálogo, e sabia o seu nome, Francisco continuou:
- Como foi que você teve idéia de vir ao Miguel Couto? O Hospital Veterinário é na Lapa.
- Eu sei, Francisco. Mas você não trabalha na Lapa, trabalha no Miguel Couto.
- E daí?
- Daí preferi ficar por aqui mesmo e me entregar a seus cuidados. Não posso explicar mais do que isso, Francisco. As cabras não sabem muito sobre essas coisas. Sei que estou bem ao seu lado, que você me salvou. Obrigada, Francisco.
E lambendo-lhe afetuosamente a mão, correu os olhos para dormir. Bem que precisava.
Aí Francisco levou um susto, saltou para o lado:
- Que negócio é esse: cabra falando?! Nunca vi coisa igual na minha vida. E logo comigo, meu pai do céu!
A cabra descerrou um olho sonolento, e por cima das barbas parecia esboçar um sorriso:
- Pois você não se chama Francisco, não tem o nome do santo que mais gostava de animais neste mundo? Que tem isso, trocar umas palavrinhas com você? Olhe, amanhã vou pedir ao Ariano Suassuna que escreva um auto da cabra, em que você vai para o céu, ouviu?
Estrambote
Que um dia Francis Jammes abra
lá no alto seu azul aprisco
Mande entrar Marcolina, a cabra,
e seu bom amigo Francisco.
"A cabra e Francisco.", Carlos Drummond de Andrade. In: Cadeira de Balanço. 8ª ed., Rio de Janeiro. José Olympio, 1976. p.95-97.
***
Chorando no campo...
Embora me deprima um pouco, uma banda que curto desde 2002 (e já ouvia falar muito neles mesmo antes disso, já que convivia nos tempos de ginásio com uma menina que era fanática pelos caras) é o Tears for Fears - "Tias Fofinhas", segundo meu amigo PH. Creio até que já fiz referência a eles neste blog. (Sim, eu fiz:
O que eu não sabia - e descobri xeretando na net - é que a "BANDA" é, na verdade, UMA DUPLA. Uma dupla de dois:
Vindos do grupo de
ska Graduate (dissolvida no início da década de 80) o grupo lança o álbum The Hurting (
1983), onde apresentam uma música mais orientada pelo
techno. Mas o álbum de maior sucesso, e considerado a obra máxima do grupo, é Songs from the Big Chair (
1985), contando com a participação de
Ian Stanley nos
teclados e
Manny Elias na
bateria. O disco viria a vender mais de 10 milhões de cópias, e sucessos como Everybody Wants to Rule The World e Shout (ambas atingindo o 1º lugar nas paradas americanas) e Head Over Heels (3º lugar). O grupo sairia em turnê para só depois de quatro anos lançarem outro disco, mais pop ainda do que os anteriores, chamado Seeds of Love (
1989). Hits como Sowing the Seeds of Love, Advice for the Young at Heart e principalmente a balada Woman in Chains (lançando a cantora
Oleta Adams, antes desconhecida) atingem as paradas.
As diferenças na dupla acarretam muitas brigas e o grupo se separa, e então é lançada a coletânea Tears Roll Down (Greatest Hits 1982-1992). Orzabal (ainda com o nome de Tears for Fears) lança em
1993 o àlbum Elemental, que ainda conseguiu relativo sucesso com Break it Down Again, e Smith lança o fracassado Soul on Board. Seguem-se ainda Raoul and the Kings of Spain (
1995, por Orzabal, porém mantendo o nome Tears for Fears) e Saturnine Martial & Lunatic em
1996. A dupla se reencontra em
2003 com a intenção de obter novamente o sucesso, com o álbum Everybody loves a Happy Ending.
Fonte: Wikipédia.
Pô, cada coisa que a gente descobre. Porque essa dupla aí era uma fábrica de hits dos anos 80. Quer ver?
Veja se você conhece essa canção aqui:
(O cara segurando a pilha de livros NÃO É o Kiko do KLB!)
E essa aqui:
Tem essa também:
(Essa machuca o coração).
E ainda essa:
Pois é, meus amigos. Um "crássico" nunca morre.
Voltamos a qualquer momento.