segunda-feira, abril 27, 2009

Top 5 "Terrores da Infância"

Retomando os famosos "Top 5" que promovia antigamente neste blog (http://sonhosecliches.blogspot.com/2006/09/top-5-sonhos-com-celebridades.html), chego a vocês hoje para, humildemente, compartilhar os fatos que moldaram o meu caráter e me atrelaram a uma vida de medo, angústia e trauma. Com vocês, o Top 5 "Terrores da minha infância":

5. O Dia Em Que Parei o Hino Nacional Brasileiro

Estudava no colégio do Sesi e tínhamos por praxe (como em todos os estabelecimentos ligados ao Instituto Roberto Simonsen) cantar o Hino Nacional às sextas à tarde, diante do hasteamento da amada flâmula verde-loura. Certa feita, fui levado ao pátio da escola com alguns minutos de atraso, por minha mãe - ela trabalhava no ambulatório médico do Sesi, no prédio ao lado. Quando demos conta, as crianças já estavam alinhadas em fila para o início da execução do hino. Minha mãe aconselhou-me a, discretamente, entrar na fila e me juntar aos colegas, talvez com medo de que a barata tonta aqui não conseguisse alcançar a turma depois. Fui então entrando no meio da criançada. Coisas estranhas acontecem, não é mesmo? Pois vejam vocês, eu que nunca fui popular, nem mesmo quando criança, nesse dia fui interpelado pelos meus colegas, como se, a partir daquele momento, todos sentissem necessidade de me saudar, interagir comigo, brindar de forma efusiva a minha existência. Isso gerou um burburinho que foi crescendo, crescendo... Quando dei-me conta das dimensões que aquilo poderia tomar, aconteceu, de súbito: alguém fez um sinal para a mesa de som e o verso "ao som do mar, e a luz..." parou no meio. A diretora, microfone em punho, achou que era muito cívico ensinar a todos uma lição, usando como bode expiatório aquele débil menino magricelo, de óculos, encabulado: "Meu jovem, venha aqui para a frente. Agora, saia. Espere fora da fila. Você está atrasado? Você não respeita o Hino Nacional?". O colégio tinha ensino fundamental e médio, uma boa centena de alunos que ali se reunia para cantar o hino. Eu era um menino de 7, 8 anos de idade. Sabe Deus como eu não me tornei, depois daquilo, um anarquista incurável.

4. Chamada Oral

Raul de Leoni, 5ª Série. A professora de matemática tinha um humor oscilante. E quando estava naqueles dias, era temível. Acontecia de ela chegar, uma vez por semana, e dizer: Chamada Oral. Pegava a lista de chamada, eu era o número 31 (treze, ao contrário).

Em pensamento: "Por favor, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não, 31 não..."
"Vejamos aqui: Número 31, para a lousa!"

Em pensamento: "Ugh!"

Caminhava para a lousa como quem ia para o pelotão de fuzilamento. E não estávamos muito longe disso, a fuzilaria de olhares sobre mim, que todo mundo achava que era CDF, inclusive a professora. Resolvia com esmero o problema ali colocado, suores frios descendo pela minha testa. Professora Sônia, aquela estimável senhora - posteriormente promovida a coordenadora do laboratório de informática (meu 13 de maio particular o dia da promoção dela) - analisava minha resposta, um sorriso irônico no canto da boca, para sentenciar: "Esse menino, com essa cara de inteligente... Que decepção! Não se salva ninguém".

Professora Sônia, esteja onde estiver, saiba de uma coisa: a matemática não salvará nem a mim, nem a senhora.

3. Aula de Educação Física

Eu rezei muito para chover, quando era moleque. A quadra da escola era aberta e, quando chovia, não havia educação física. Quando havia, tudo era para mim um grande rosário variado e inventivo de humilhações. Um dia, era o vôlei, e eu chorando como uma garotinha porque não conseguia sacar a bola por cima da rede. No outro, o futebol, onde eu nunca era escolhido. Basquete, handebol, porra, uma grande merda. Mas o auge do patético foi no dia em que aquela simpática professora de Educação Física, aquela exemplar pedagoga, resolveu ensinar-nos revezamento olímpico, a famosa corrida do bastão. Levou-nos ao Horto Florestal, dividiu-nos em equipes. Colocou-me junto de 3 atletas que, minutos depois, passaram a me odiar. Posicionou-nos nas marcas que riscara no chão e, para mim, disse: "Você fica ali". Caminhei para onde acreditei que ela apontara e ouvi, ríspido: "Aí não! Aqui, seu orelhudo!" Fui chorar escondido, num canto, mas quando você quer chorar escondido sempre tem uma boca aberta piedosa-fingida para dizer "Olha fessora, ele tá chorando", e a nossa querida mestra olhou-me com cara de "puta que pariu, que eu faço agora?" e não fez nada, tocou a aula como se nada tivesse acontecido e eu chorei um pouco sentado no banco de madeira, com as lágrimas pingando no chão arenoso e deixando marcas, como se fossem desenhos. Era tão inocente que só fui descobrir, muito tempo depois, que ela me chamara de burro figurativamente, e não que eu tinha orelhas grandes, como entendi no momento.

2. Você Tem Poucos Dias De Vida

Logo que mudei para o condomínio em que moro ainda hoje, fiz amizade com um grupo de garotos asquerosos, que mijavam na escada de incêndio e jogavam potinhos de danoninho em qualquer lugar. Um deles me disse que eu tinha uma doença que ia me matar em poucos dias e riscou minha barriga a caneta, indicando os pontos onde deveria ser feita a incisão cirúrgica. Eu achei que morreria daquela doença desconhecida e não tive coragem de contar nem mesmo aos meus pais, mesmo quando eles interpelaram o porquê de eu estar tão estranho.

Não sei o que esses moleques fazem hoje em dia, mas espero que a gonorréia deles esteja muito bem diagnosticada.

1. Professora Carrasca

Terceira Série, Sesi. Primeiro dia de aula, a professora se apresenta, deixando claro que a época da inocência acabou:

(Uma aluninha desavisada): "Tia..."

"Tia não! Tia não! Não sou irmã da tua mãe nem do teu pai. É professora!"

E a professora, cujo nome me esforço em recordar mas não consigo - mas que chamarei de Professora Carrasca - fez do ano de 1993 um ano terrível para mim. Enquanto o país atravessava o final da recessão do finado Governo Collor, eu relutava em ir para a escola, enfrentar aquele amor de pessoa. Eu vinha de um sistema lindo, de fábula, em que a professora do segundo ano era uma velhinha simpática, alegre, enfeitada, sacudida, que dava nota boa pra todo mundo. Não estava preparado para encarar aquela realidade cruel. Um belo dia, cheguei para a aula e vi todo mundo com um saquinho na mão com cartolina recortada, que usaríamos para mexer com frações, ou algo do tipo. Os colegas das carteiras de trás e dos lados, ao ver que eu não tinha feito os meus recortes - porque não tinha entendido bulhufas do que era pra ser feito e tinha vergonha de perguntar - apressaram-se a recortar para mim, numa atitude totalmente solidária e bonita. Mas vã. A mulher entrou na sala e flagrou a pequena cooperativa trabalhando. Lembro-me, ainda hoje, dela dizendo que não tinha, naquele momento, nenhuma dó das minhas lágrimas, que eu que deixasse de ser vagabundo. Pegou pelos ombros um outro aluno - que posso apostar que hoje em dia deve ter seios de silicone industrial e morar no Edifício Danúbio, na Bela Vista - e o gabou durante longo tempo, como aluno exemplar e como contramedida desse displicente Rafael da Cunha - eu era assim chamado nos primeiros anos escolares. Minha mãe deve ter ido ter com ela, depois dessa exposição desnecessária, desse sermão longo dado para toda a turma e que marcou a mim durante todos esses anos. Porque depois ela maneirou um pouco. É verdade que ficou doente e afastou-se por mais de um mês, período em que eu passei a acreditar na existência de Deus, antes de voltar mais light para terminar o ano letivo. Eu saí da terceira série, mas essa terceira série, de algum modo, nunca saiu de mim.

Por isso eu acredito que, se uma pessoa nasce com vocação para ser vendedora em loja de lingerie, não deve cursar o magistério. Afinal de contas, quantos pusilânimes ainda vamos ter por pura e simples falta de sensibilidade daqueles que tem como responsabilidade guiar nossos primeiros passos?

Para esta querida e malcomida professora, se hoje a encontrasse, diria algumas coisas, que meus 9 anos de idade não me permitiram dizer naquele dia. Coisas que ela não deve se lembrar, mas que eu nunca consegui esquecer. Mas, deixa pra lá.


E por hoje é só.


sábado, abril 18, 2009

Sobre o cara que te espera

E então, num dia desses, você vai conhecer esse cara. Não dá pra dizer bem o que a passagem dele pela tua vida representará. Como diz a fé pública, "nada acontece por acaso". E ele aparece, esse menino tímido, bobo, sem assunto com estranhos. Esse menino normal, que se acha o patinho feio, mas não é feio. Nem mesmo é bonito. É normal. É passível de fazer com que você se apaixone por ele, mas você precisa ser sensível pra ver que vale a pena.

Porque, convenhamos: ele não é lindo de morrer, não é forte, não é rico, não se veste assim tão bem (ainda que tenha melhorado bastante nesse quesito), não tem uma boa cantada, nem aquele olhar 43. É possível que ele fale com você olhando pra outra direção, pro copo de cerveja, pros carros passando na rua. Ele não é seguro como certos caras, embora seja mais inteligente que a maioria deles. Não que seja um prodígio mental, mas tem uma cabeça boa, senso crítico razoável, não passou a vida toda pensando em tunar carro, malhar o corpo, pegar mulher na balada, fumar maconha pelos cantos, comprar roupa em loja de grife. Ele leu um ou outro livro, viu um ou outro filme, ficou se achando "intelectual" e depois ficou puto quando viu que não era. "Quanto mais aprendo, mais ciência tenho da minha ignorância". Ele não sabe a citação literal nem qual dos gregos disse isso, mas pouco importa. Ele tá cagando pros gregos, porque não anda em círculos pseudo-intelectuais e não precisa impressionar ninguém. Esse cara gosta de simplicidade, da inteligência sem forçação de barra que algumas pessoas tem. Não gosta de competição: quem tem a melhor roupa, o maior QI, o maior pinto, mais dinheiro na conta.

Um dia - há de chegar logo - você vai cruzar com esse cara em alguma esquina. É improvável que seja numa fila de banco, num ônibus, no meio da multidão. O que vai acontecer é uma situação especial, única, que vai te botar frente a frente com esse cara. De repente, ele pode nem sentir atração por você, e muito menos você por ele. Mas você pode achar fofo o jeito dele falar, o senso de humor boboca que poucas mulheres entendem, as coisas incovenientes que ele diz sem querer e as muito convenientes que ele diz sem saber que é sábio em muitas ocasiões. Todo mundo que o conhece acha que ele é um bom conselheiro. Talvez nem tão bom conselheiro, mas sem sombra de dúvida um bom ouvinte. Ele já disse coisas ásperas e venenosas pras pessoas e quando fez isso, a frase ficou marcada na memória, porque é raro ele ferir alguém. Ele é, na maior parte do tempo, doce, gentil, atencioso. Quando está de saco cheio, é chato, fatalista, nitroglicerínico. Mas aí é mais fácil ele se auto-depreciar do que agredir alguém.

Você deve, minha cara, tomar cuidado quando ficar amiga desse rapaz. Algumas coisas você precisa saber de antemão. Precisa saber que ele gosta de se fazer de vítima. Que é dramático e exagera as situações. Que quando se apaixona, mergulha de cabeça, sem conhecer limites, pudores, precauções. Mas, ao mesmo tempo, tem uns traumas no coração, de gente que não soube gostar dele como ele merecia, que podia ter dado uma flor, mas lhe deu um soco, que não teve sensiblidade e bondade pra dizer "eu te amo" quando ele mais precisava ouvir. Sei que com você será diferente. É preciso que você saiba que esse menino quer abraçar o mundo, quer ser feliz, quer irradiar alegria e ser sempre uma presença marcante na vida das pessoas. Esse menino toda vida foi coadjuvante, às vezes figurante, e agora quer ser protagonista de uma vida linda, ensolarada. Tem tantos sonhos que, de tão simples e bobos, lhe parecem impossíveis. Tem vergonha de dizer o que sente, mas o faz sempre de forma corajosa, de peito aberto, sem esconder o medo, a euforia, a saudade, a fraqueza. Já disseram que esse rapaz é falso, mas quem disse não o conhecia bem e lhe magoou profundamente. Esse moço é o mais sincero que existe no planeta, e mesmo quando mente, é pra ser fiel ao que acredita.

Linda, um dia você vai conhecer esse homem, que gosta de música, de manhãs nubladas, de bons papos, de rir por besteiras, de se dedicar às pessoas que ama. E vai ter que ter paciência com ele, mas por outro lado vai se encantar, vai se sentir amada, cuidada, como nunca foi.

Esse dia está chegando. E enquanto isso, eu vou sonhando com ele.

terça-feira, abril 14, 2009

Eu não sei

Eu não sei dançar. Não sei dirigir. Não sei cozinhar. Não sei jogar bola. Não sei jogar vôlei, nem basquete, nem golfe, nem rugby, nem tênis, nem peteca. Não sei empinar pipa.

Eu não sei falar inglês. Não sei falar francês. Italiano. Espanhol. Alemão. Japonês, javanês, dialeto, mandarim, húngaro, não sei latim nem grego.

Eu não sei assoviar no ritmo, não sei estalar os dedos, não sei falar nenhum dos trava-línguas. Não sei ver as horas em relógio de ponteiro, não sei de cor a tabuada do nove, não sei qual é a capital da Nova Zelândia, nem sei direito onde fica a Nova Zelândia. Não sei dizer se uma palavra é paroxítona, não sei ler partitura, não sei onde fica a bridge na letra da canção. Eu não sei tocar violão. Não sei tocar piano, não sei tocar flauta, nem bongô, nem cuíca, nem tamborim, nem pandeiro, nem chocalho, nem frigideira, nem instrumento nenhum do mundo, instrumento daqui, de Marte ou da estrela Órion, não sei tocar porra nenhuma.

Eu não sei quem foi Molière, nem Voltaire, nem Joyce, nem João Antônio. Eu não sei quem foi São Tomás de Aquino.

Eu não sei cavalgar. Não sei nome de raça de cachorro, muito menos de gato. Não sei quantas patas tem um escorpião, não sei se a gente diz pata ou perna pra inseto, não sei de que se alimenta uma anta.

Eu não sei pescar, não sei jogar truco, não sei mentir.

Eu não sei contar piada direito, não sei memorizar citação de autor famoso, não sei com quantos paus se faz uma canoa. Não sei com quantas canoas se faz uma nau, não sei porque o barco do Colombo se chamava Santa Maria. Não sei porque a loja de ternos se chama Colombo, mas isso nem quero saber.

Eu não sei costurar, não sei rezar, não sei atirar com espingarda, nem com carabina, nem com revólver, nem com pistola, nem com estilingue, nem com arco-e-flecha, nem com arma de chumbinho.

Eu não sei como se faz pra tirar passaporte, pra abrir firma de empresa, pra conseguir visto de trabalho no estrangeiro, licença pra abrir loja no centro, carta de crédito, antecedentes criminais.

Eu não sei nada de hardware, software ou surfwear. Não sei andar de skate, não sei enrolar baseado, não sei fazer serviços de carpintaria. Eu não sei trocar disjuntor, consertar liquidificador, cano furado, válvula de descarga bichada, arruela emperrada.

Eu não sei seduzir, conquistar, convencer, xavecar, pechinchar, negociar, persuadir, embromar, enrolar, ganhar tempo, cozinhar em banho-maria, deixar de molho, passar a perna, até logo, pt saudações, como diria meu pai.

Eu não sei fazer balancete, planilha, contas a pagar e a receber, tratar com fornecedor.

Não sei pedir dinheiro na rua, roubar dinheiro na rua, roubar dinheiro no banco, no supermercado, no banco imobiliário.

Eu não sei se a mulher tá bem vestida, bem maquiada, se calça preta combina com blusa verde e sapato verde, se ela engordou, emagreceu, se o mundo é mau ou bom.

Não sei ser garanhão na cama, nem recitar poema do Drummond depois, nem música do Djavan. Não sei o que diabos o Djavan quer dizer, afinal.

Eu não sei (mais) andar de bicicleta, criar estorinhas, caçar tatu-bolinha, fazer dobradura com papel sulfite.

Não sei amar. Não sei odiar também, mas isso nem importa. Eu não sei amar.

Eu sei escrever, apenas. Malemale.