sábado, dezembro 31, 2005

Balanço de fim de ano

A exemplo de todas as retrospectivas que a gente vê por aí (e, em especial, um texto que li no blog do Diniz - cujo link está aí no canto direito da tela) resolvi fazer aqui uma reflexão acerca do que 2005 representou para mim. É uma coisa egocêntrica, mas lê quem se interessar.

1 - Das coisas que vi que não adianta mais fazer (murros em ponta de faca):

- Jorge Ben tem uma canção chamada "Minha teimosia, uma arma pra te conquistar". Eu vou escrever uma chamada: "Minha teimosia, uma arma pra me embucetar". Teimei, teimei, insisti. É verdade que com a prudência (cagaço) que me é peculiar. Mas nos poucos avanços que fiz, levei um "não" mais categórico que outro. Tudo bem que insisti nas garotas mais improváveis, aquelas que eu cismei que amava mesmo sabendo que cagavam pra mim. Não disfarcei que ainda gostava delas. Enfim, só agora é que caí na real, depois de anos ouvindo conselhos (inclusive da minha intuição) de que era melhor desencanar. E essa frase aqui, dita por ela em uma conversa recente no MSN - quando eu já tinha mesmo poucas esperanças - selou o tapa na cara que eu estava precisando levar desde o dia em que percebi que não gostava da minha amiguinha só como amiguinha: "Mas tudo passa e a gente tem que ser racional e esperto pra ver que nao deu".

OK, minha querida. Finalmente entendi que não deu. Talvez seja melhor assim. Preciso encontrar pessoas mentalmente compatíveis comigo, não só rostinhos singelos de menininhas e corpos interessantes. Espero estar realmente virando essa página da minha vida. Não é justo. Mereço ser feliz, porra.

- Esperar que algumas pessoas tenham responsabilidade. Me irritei demais esse ano com desinteresse dos outros pelas coisas que realmente importavam. Espero ser mais auto-suficiente em 2006 pra cuidar da minha parte e deixar o resto se foder. Detalhe: Irresponsabilidade e egoísmo minaram um pouco minhas amizades com algumas pessoas. E parece que eu sou o errado, ainda por cima! Não vou dar nome aos bois porque já passou e eu amo essas pessoas. Mas que é foda, é!

- Esperar reconhecimento e consideração de algumas pessoas. E ficar imaginando cenas mórbidas nas quais estou num caixão e tem uma porção de gente chorando em volta, com remorso por não ter ligado a mínima pra mim quando era vivo e ia atrás delas. Aliás, esse tipo de pensamento é mesquinho, patético e faz eu me odiar por ser tão pusilânime.

2 - Dos pensamentos obsessivos:

- Tudo o que podia ter sido e que não foi. Como a "andorinha andorinha, punhetas que bati" (livre interpretação do poema do Bandeira). Isso vale tanto para mulheres idealizadas quanto para ações equivocadas que tomei ou que não tomei.

- Corinthians, minha vida, minha história e meu amor. Muitos acham o futebol um instrumento de alienação (assim como a religião). Talvez seja mesmo, mas só eu sei o que o Corinthians faz dentro de mim. É minha família, é meu avô que ficou um pouco mais alcoolatra por causa dele, é a alegria, o assunto quando não há assunto. É olhar para o futuro e imaginar bebezinhos vestidos com a roupinha alvinegra no meu colo. E esse ano foi um ano normal para o corinthiano: sofrimento e, ao fim, triunfo.

- O futuro. E é estranho pensar numa coisa e logo em seguida sentir medo pela possibilidade que existe de ela não acontecer.


3 - Dos projetos que lograram e dos que malograram:

- Voltei pra casa. A maioria dos meus amigos acha isso uma bosta. Eu acho que a única desvantagem é ter perdido um pouco da liberdade que eu tinha em Bauru. Por outro lado, pra mim é mais cômodo estar em casa, no conforto, e de volta a São Paulo, que é uma metropóle. Bauru foi uma experiência interessante, aprendi pra caralho, descobri que estou deixando de ser moleque pra ser um homem, desses capazes de constituir família (embora ache que falta muito chão pra adquirir a capacidade organizacional do meu pai).

- Praticamente terminei a faculdade. Só falta a merda do TCC. Mas pelo menos não preciso ficar mais horas dentro de uma sala ouvindo um babaca falar e exaltar o próprio conhecimento.

- Conheci o Rio de Janeiro e mudei alguns conceitos. Me tornei menos xenófobo e preconceituoso.

- Comprei enfim minha cuiquinha artesanal (e tiro um som quase parecido com um ronco de cuíca dela). Comprei minha camisa do Noroeste de Bauru (pra lembrar da cidade e de uma porção de coisas). E ontem compramos uma TV legal e um DVD (não sou consumista nem materialista, mas precisávamos disso). Esse ano foi bom do ponto de vista aquisitivo, compramos também o computador, se bem que viciei tanto nele que não sei se está sendo uma boa pra mim e pro meu tempo, risos.

- Me relacionei melhor com as pessoas, de um modo geral. Descobri que tem gente que gosta de mim, ou pelo menos admira a minha postura e/ou o meu comportamento. Talvez eu não seja o cara apagado ou o picolé de chuchu que sempre achei que fosse. Mas uma coisa é certa: ainda sou melhor escrevendo do que falando. Preciso melhorar isso, porque às vezes as coisas que eu tenho receio de dizer em público são dignas de serem expressadas.

4- Das coisas que curti:


- Jorge Ben. Musicalmente, esse ano foi o ano dele na minha vida. E o "Tábua" virou uma bíblia pra mim.

- Anos Incríveis. Viciei no seriadinho. Talvez eu esteja compreendendo agora todas as coisas que o Kevin quis dizer. Mesmo ele sendo norte-americano, respeito e admiro as liçoes que ele me passou.

- Caetano, embora em menor escala agora no fim do ano. Mesmo o que é bom enjoa.

- Gonzaguinha. Também decaiu agora no fim do ano. E eu descobri que a gente não deve misturar prazer com trabalho. O TCC fracassado abalou um pouco minha relação com o falecido Gonzaga. Justo o que eu temia que acontecesse. Mas enfim...

- Originais do Samba. Descobri que o Mussum era bem mais do que o palhaço dos Trapalhões.

- Sin City. Um belo filme.

- Tirinhas dos Malvados (www.malvados.com.br) e o Filme do Bátima. Obrigado, André Diniz!

- Pornografia variada e vasta.

- Festas e reuniões nas quais joguei conversa fora com pessoas legais e inteligentes. Cito, em Bauru, as festas do Hilde e da Roberta. Aqui em Sampa, os passeios com a galera. E me desculpem se esqueci alguém ou algum lugar, mas é que foram muitos momentos agradáveis.


5 - Trocando em miúdos, o que sobra?

2005 encerra um ciclo na minha vida. Muita coisa ficou pra trás. É esquisito, mas boto fé que outras coisas bacanas virão. E espero que isso comece já em 2006.


Feliz ano novo para todos. É o que deseja o Sonhos e Clichês!

segunda-feira, dezembro 26, 2005

E foram anos (realmente) incríveis...

O que a foto abaixo me faz pensar é o seguinte: "como uma menina magrela e sem graça pode ter virado essa criatura linda"?

A "eterna paixão" de nosso amigo Kevin Arnold (Fred Savage) no seriado "Anos Incríveis" (ou "Wonder Years, se preferirem) mostra o quanto cresceu e apareceu num ensaio para a revista "Stuff". Tá certo que eu - que sou vidrado nesse seriado - já acho que nas duas últimas temporadas ela já estava despontando para uma exuberância adolescente (e, consequentemente, tirando o juízo do pobre protagonista) . Mas esse ensaio aí só comprova que algumas pessoas melhoram com o passar do tempo. E outras pioram. Eu era uma criança bonita...


Danica McKellar, a Winnie de "Anos Incríveis":




E parece que, além de tudo, ela hoje em dia é mestra em matemática. E fez uns filminhos paia aí também...

Link para as outras fotos do ensaio: http://66.232.100.26/~dontlink/hires/danicamckellar/index.html

domingo, dezembro 25, 2005

Letrinha bacana

Seu Chico Buarque, um compositor do qual uso e abuso no blog, escreveu - juntamente com Edu Lobo - uma peça (infantil, supostamente) intitulada "O Grande Circo Místico". Ali estão canções primorosas, como Beatriz (interpretada por Milton Nascimento), A História de Lily Braun (com Gal Costa) e a música que posto abaixo, engraçadinha e que traz grandes verdades que a gente às vezes deixa passar. Reparem que, nem quando trata de temas mais amenos, Chico Buarque escapa da censura. Aqui "tesouraram" os "pentelhos" dele...


Ciranda da bailarina
Edu Lobo - Chico Buarque/1982
Para o balé "O grande circo místico"

Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Berruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem

Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem

Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem

Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem

O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho*
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem

Procurando bem
Todo mundo tem...

* termo vetado pela censura

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Mensagem para o JC (Jesus Cristinho)

JC, meu querido:

Parabéns pelo aniversário. Muita gente não entende bem o que isso representa. Ao invés de pensarem em você, pensam num velho gordo de roupa vermelha e barba branca. Eu mesmo, quando era guri, também só pensava nele, nos brinquedos e na comida. Desculpe-nos, JC, mas é que a tua imagem não ajuda muito a vender celulares, ao passo que o velho gordo é um ótimo garoto-propaganda.

JC, eu só queria que você soubesse - e que todos que leem isso aqui soubessem - que eu amo você. Eu agradeço a você e ao nosso Pai por tudo o que tenho desde que vim pra esse mundo. Eu agradeço por sentir o teu calor perto de mim, sempre me guiando pelo caminho mais certo. Muitas vezes eu me deixei abater e deixei também que pensamentos pusilânimes tomassem conta da minha mente. Eu já fiz pouco da tua amizade em várias ocasiões, JC. Espero que você tenha relevado isso.

Sabe JC, todo ano eles tentam me fazer sentir-me culpado por tua causa. Dizem que você morreu na cruz sofrendo dores atrozes por nossa causa. Que você era um homem bom e santo, e que sofreu pra salvar uma raça imperfeita. No entanto eu sei que a você não interessa fazer com que a gente se sinta mal. Você não morreu na cruz pra jogar isso na nossa cara nem pra que nós nos sentíssemos em dívida com você. Muita gente por aqui fala em teu nome, meu querido JC, querendo que toda a gente se ajoelhe diante deles e se torne cordeiros. Não cordeiros de Deus, mas cordeiros DELES. Muitos distorcem o que você sempre disse e tentam adivinhar o que você está sentindo e pensando. Eu te agradeço por tudo o que fez por nós e sabemos que você só o fez por amor. Não por vaidade. Peço desculpas em nome daqueles que usam seu nome apenas para conseguir dinheiro e poder. Como você mesmo disse: "eles não sabem o que fazem".

E como sei que você espera sempre o melhor de mim, peço perdão pelas mancadas que dei. Eu tenho me esforçado pra ser uma pessoa melhor. Mas sei que ainda sou muito egoísta e hipócrita. Sei que tenho tido muito pouco amor por muitos dos meus semelhantes. Sei que em várias vezes, por puro egoísmo e orgulho, torci pra que algumas pessoas se fodessem (desculpe a expressão!). Fiquei triste com a alegria alheia. Permiti que o estado de espírito de outras pessoas alterasse o meu. Algumas vezes não relutei contra sentimentos ruins. Fui conivente com o mal inerente ao meu estágio inicial de evolução espiritual. Me desculpa, JC. Mas estou aqui pra aprender mesmo.

JC, 2005 foi bom pra mim. Apesar de toda a gente que morreu nos tsunamis, nas guerras, de fome, de bala, de susto, de vício, de doença e de marra. 2005 findou um ciclo na minha vida. Deixou algumas coisas pra trás. E sei que você esteve sempre do meu lado, indiferente ao meu desamor e ao meu desapego a você. É por isso que eu te amo, JC. Você é um cara tão legal que não cobra nada de mim, não pede nada em troca. Você só quer que eu seja feliz e eu que ajude os outros a serem felizes. Você mesmo disse algumas vezes que eu não preciso ficar repetindo seu nome, como se apenas isso fosse o suficiente pra ficar numa boa contigo. Ao invés disso, eu devo ajudar meus irmãos, que assim estarei perto de você. Eu tenho tentado fazer isso. Não consegui grandes coisas, é verdade, mas tô tentando...

Enfim, JC... Eu não sei onde você deve estar comemorando teu aniversário. Você é meio avesso a baladas e festanças em buffets. Eu sei que lá pelos Jardins muita gente armou festonas e banquetões pra receber você. O mesmo aconteceu no Morumbi, no Itaim Bibi. Lá nos países de Primeiro Mundo eles cantam aquelas músicas engraçadas e enchem a cara tendo você como pretexto. Em qualquer desses lugares, eles contam com a tua presença. Mas se eu te conheço bem, meu brother, eu imagino que você está passando o teu níver com os pobres. Afinal, essas são as pessoas que sempre te agradaram mais. Você é O CARA, JC!

"Jesus Christ is my Lord/ Jesus Christ is my friend..." - Jorge Ben

sexta-feira, dezembro 23, 2005

JK, o Mito

A Globo está prestes a estrear mais uma produção com pretensões históricas: a vida de Juscelino Kubitschek. No caso, a vida idílica de Kubitschek, sem as gonorréias que ele possa, eventualmente, ter contraído na juventude e sem aquelas cagadas todas que a gente comete e que são apagadas do nosso currículo quando nos tornamos celebridades.
Apesar do meu enorme interesse por história do Brasil, não me empolga muito o tratamento que a Globo dará a esse personagem. Não dirão, por exemplo, que por trás das obras grandiosas e do desenvolvimentismo do período, o Brasil iniciou um irreversível processo de endividamento externo. Não dirão que, mesmo incentivando o nacionalismo - que incluía o projeto da capital federal - o Sr. JK abriu as portas para que o capital estrangeiro entrasse e se instalasse. E que nos tornamos, graças à isso, muito dependentes e nada auto-sustentáveis.

JK é comparado apenas a Vargas quando se fala dos grandes presidentes. E, realmente, os períodos de maior desenvolvimento industrial se deram nos governos desses dois presidentes. O que os diferencia, porém, foi o modo como esse desenvolvimento ocorreu. Vargas era um nacionalista ferrenho e defendia que o Brasil deveria criar e manter indústrias de base, para se tornar auto-sustentável. Volta Redonda, a siderúrgica que o FHC privatizou recentemente, é um exemplo disso. Já JK se apoiava no capital estrangeiro. Botou umas fábricas de carro aqui - o que trouxe, como consequência, um uso quase que exclusivo da rede rodoviária, sendo que o Brasil tinha um grande potencial ferroviário - , construiu Brasília numa região até então isolada e fez uma bela propaganda populista ("o Brasil vai crescer 50 anos em 5"). Mais tarde, com o Golpe Militar, se fudeu grandão e, como quase todos os políticos de oposição, teve de se exilar e, se não me engano, bateu as botas no exílio mesmo.

Enfim, eu não nego que Juscelino fosse um grande estadista e seja um puta nome da nossa política. O que não curto muito, nessas caracterizações que a tevê faz, é o endeusamento. Colocam o cara como um herói nacional, não como um político - que é o que ele realmente foi. Cada ato do sujeito - desde um simples bom dia até um decreto de estado de sítio - ganha contornos épicos. As namoradinhas da adolescência ganham aura de Joana D'Arc. O cara é sempre bom aluno na escola. É sempre um bom filho que obedece a mãe. Não bebe e, se o faz, é para comemorar alguma coisa - e usa-se um tom meio galhofeiro, pra mostrar que o cara é alegre, mas nunca alcoolatra. Mostram a agonia de morte dele, como se isso fosse uma coisa bonita de se ver. E normalmente a morte é mostrada de forma heróica, mesmo que factualmente ele tenha morrido de febre amarela e se cagando todo. As fraquezas, quando aparecem, são sempre sensações grandiloqüentes também. Você nunca verá o protagonista sofrendo de uma incontrolável diarréia ou broxando. E eu acho que isso faz parte da vida.

A meu ver, o brasileiro médio - aquele que assiste tevê e acompanha essa baboseira toda - não precisa de mais heróis. Já temos muitos, e muito poucos são de verdade: Princesa Isabel, Dom Pedro I e II, Barão do Rio Branco (vejam só, um Barão!), Marechal Deodoro ("proclamou a República", mas era amigão de fé de D. Pedro II), Getúlio Vargas, Tancredo Neves, Tiradentes e por aí vai. Todas essas figuras sempre muito bem retratadas nas produções artísticas: heróis e mártires do nosso povo. Contribuíram muito para que o Brasil fosse menos subdesenvolvido e menos miserável, naturalmente.

E a Globo continua com o belo trabalho que realiza desde que foi criada, durante o Regime Militar, de conscientizar e desenvolver nosso nacionalismo (ano que vem é ano de Copa do Mundo!). Numa dessas acaba sacrificando-se o senso crítico das pessoas, mas tudo na vida exige algum tipo de sacrifício.

Ainda assim, vamos esperar pra ver. E que o Juscelino não se debata no túmulo.


O Hômi posando pra foto em frente a um de seus maiores legados (além da dívida externa): Esplanada dos Ministérios, onde hoje só tem gente fina.

terça-feira, dezembro 20, 2005

Cu sujo

A rampa anti-mendigo
É o deluxe da arquitetura nacional
Afasta infalivelmente o viciado
Espanta de bate-pronto o marginal

A rampa anti-mendigo
É feita com cimento especial
O vagabundo que tentar aí dormir
Enche o cuzinho de pó e cal

A rampa anti-mendigo
É uma obra social
Esconde o pobre do rico
Separa o Bem de todo o Mal

A rampa anti-mendigo
É uma obra eleitoral
Que o prefeito José Serra
Mandou fazer na capital

Uma coisa que eu digo
Sobre a rampa anti-mendigo
É que ela é tão legal
Que eu quero que o Serra pegue no meu pau.


Eu ando pela sujeira da rua e percebo as pobres criaturas teimosas. Elas não querem saber de albergues e hospitais. São transgressores, malditos marginais imundos poluindo visualmente minha bela São Paulo. Vieram do Nordeste pra cá e trouxeram toda a parentalha de seus quinze filhos. Essa gente ignorante e medonha veio pra cá pra horrorizar meus filhos, me tirar o apetite e me fazer sentir culpa por ter nascido remediado. Sinto uma vontade incrível e diabólica de tirar-lhes a vida. De lhes atirar fogo às vestes. De urinar sobre seus corpos esquálidos e cinzentos. Quando um cão desses me pede uma esmola, um patrocínio mínimo para uma aguardente, eu mando se foder. Isso mesmo. Encho a boca e desconto todas as minhas frustrações em cima do petulante, mando-lhe às favas. Esses vagabundos não tem jeito.
Ando paranóico. Sonho todas as noites com comunistas e membros de grupos dos Direitos Humanos me perseguindo. Sonho também que minha esposa está fazendo caridade a um mendigo. Mas não uma caridade comum. Minha mulher oferece ao mendigo nosso bem mais rosado e precioso. Esses mendigos são animalescos até no ato sexual.
Acordo suado e percebo que novamente borrei as calças. Será mais um dia de cão, que só poderei transpor à base de calmantes. Meus credores temem o meu nome e evitam me procurar. Mas sei que um dia, mais cedo ou mais tarde, eles virão.
Qual é meu maior temor na vida? Acho que meu maior medo é que exista mesmo um Deus, como todos dizem. Se Ele existir e for um sujeito punitivo, estou fodido. Em toda a minha vida, sempre escapei das surras forjando provas, subornando pessoas e distorcendo fatos. Mas dizem que esse tal Deus é onipresente. Aí é covardia. Não dá pra se safar.
Olho para o mendigo deitado na calçada e penso comigo mesmo se ele não é um espião a mando de Deus para me foder. Um dia posso estar passando por ali, o maníaco sai de repente de baixo de seu cobertor sujo e grita, apontando para mim: "é ele! é ele!"
Então abre-se uma fenda no chão e sou tragado para um julgamento incerto.
Acordo. Estou no escritório. Estou novamente borrado.

domingo, dezembro 18, 2005

Detector de mente sacana

Observe com atenção a foto abaixo. Trata-se de um jogo de futebol do Manchester United, equipe inglesa. Em destaque na foto aparecem os jogadores Rooney e Cristiano Ronaldo. (Cristiano Ronaldo, alguns meses atrás, foi acusado de estupro na Inglaterra.)
Se você identificar, nessa imagem, qualquer coisa diferente de um lance esportivo, saiba que sua mente está poluída com sacanagem da pior qualidade.



P.S: Você deve estar se perguntando o que eu enxerguei aí além das expressões de cansaço e esforço dos dois jogadores. Bom, eu só digo que, se algum produtor de filme pornô vir essa foto, os dois jogadores serão convidados rapidamente para trocar de profissão.

P.S.2: E se algum dirigente do São Paulo FC vir essa foto, a torcida tricolor terá dois novos reforços no Morumbicha.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Reflexões de fim de ano

Mais uma vez me sinto envolvido por aquela sensação de que o mundo está se movimentando enquanto eu estou parado. E o pior é que, ao invés de ambicionar sair desta inércia em que me encontro, sinto-me, ao contrário, desanimado e impelido por alguma força interna a permanecer estático. Fim de ano é sempre esquisito, mas eu esperava encontrar alívio no fim de 2005. Estou encontrando apenas vazio e solidão.

***

É engraçado a gente pensar no futuro. Eu acho que a ação de imaginar como serão as coisas - ou como queremos que elas sejam - gasta mais energia do que fazer abdominais pela manhã. Quando eu era criança achava que queria ser escritor. Os adultos me perguntavam: "E aí, guri, o que você quer ser quando crescer?", esperando ouvir respostas como "jogador de futebol" ou "bombeiro". E eu respondia: "Quero ser escritor". As pessoas olhavam admiradas. No fim das contas, descobri que não existe a profissão de escritor. Quero dizer, não existe de forma regulamentada, etc. Escrever literatura é um hobbie, como jogar pólo, por exemplo. A diferença é que o pólo existe como profissão. (Pólo. Que merda de exemplo elitista esse!). Aí percebi que maioria das pessoas que tem como hobbie a literatura, geralmente trabalha com jornalismo. Claro que há exceções, Carlos Drummond de Andrade era formado em Farmacêutica. Mas enfim... Então acabei indo atrás do jornalismo. Que pese que comprei pra mim uma glória a mais: realizar a meu pai também, uma vez que o velho aspirou a ser jornalista, mas não passou das provas vestibulares. Então decidi ser jornalista por nós dois.
Tirando uma coisa ou outra, vi a merda que era. Gente egocêntrica, vazia, fútil. Claro que conheci muita gente boa na faculdade também, boas cabeças. Mas sei lá, o pau deu uma murchada. Não dava mesmo pra gozar de lambrecar a alma num curso desses. Eu devia ter treinado mais futebol quando era moleque.

***

Eu não gosto muito quando me criticam, mas nem sempre aceito bem os elogios. Alguns me surpreendem até. Outro dia, num churrasco desses de família, encontrei uma parente de minha prima. A mulher me conhece desde gurizinho, e deu pra ficar elogiando-me na confraternização. OK, obrigado. Então ela disse que eu deveria me embrenhar na vida pública pois, segundo ela, eu impressionava desde pequeno pela mentalidade política. Não lembro bem, mas devia ser um desses moleques pentelhos metidos a dar pitaco em tudo, reproduzindo algum discurso esquerdista ouvido em algum círculo adulto. Eu era, desde moleque, anti-malufista. Até por influência familiar. E nunca vou perdoar o Maluf. Meu ódio por ele não é pelos milhões de cruzeiros, mil-réis, dólares e reais desviados para a Suíça. Não é pelo populismo escroto e pelo favorecimento familiar. Não é pela merda do Minhocão ou pelo "estupra mas não mata". Meu ódio provém de uma propaganda política dele na qual bandidos saíam de celas escuras cujas portas estavam escancaradamente abertas. Num tom muito sombrio, uma locução anunciava algo como "sem Paulo Maluf, a segurança de São Paulo será desse jeito". Eu tinha uns seis, sete anos, e aquilo me marcou por muito tempo. Bandidos malvadões abrindo a cela do Carandiru e tomando o ônibus na Cruzeiro do Sul, a fim de invadirem a minha casa e me matarem. O pior é que eu era uma criança suscetível e hoje vejo que grande parte dos eleitores de Maluf (e Serra, e Alckmin, e Quércia, etc) são crianças suscetíveis também. Acho que o Brasil é um país de crianças suscetíveis.

***

Tava assistindo televisão, nessa vida vegetativa e degenerativa que venho levando, e vi um comercial de celular no qual é feita uma paródia à famosa canção natalina "Noite Feliz". Diz a letra: "Noite infeliz/ Noite infeliz/ ó Walmor/ (...)/ Pobrezinho ganhou um pijama/ Queria um celular e agora só reclama/ Dorme em paz ó Walmor..."

Pensei: "Puta que o pariu". Faz tempo que o natal se tornou uma data puramente comercial, mas ainda assim senti um remelexo no estômago. Me deu vontade de ligar pra esse filho da puta desse Walmor e dizer: A) Você não é mais criança. Pára de fazer pirraça e vai trabalhar pra comprar a porra do celular. B) A gente não pode ter tudo o que quer na vida. Você não poderá ter seu celular assim como muitas pessoas gostariam de jantar na noite de natal e não vão poder também. C) Se você não fosse tão tapado e fútil, veria que teu filho mais velho não tem dinheiro pra te dar o celular porque gasta toda a grana que ganha como garoto de programa em cocaína. Tua filha mais nova está às voltas com uma gravidez recém adquirida e provavelmente quem vai bancar a criança é você, Walmor! Tua mulher não te dá o celular porque te considera um fracassado e acha que o que você realmente precisa é de um pijama, já que cama pra você ultimamente só tem servido pra dormir mesmo. (Além do fato de você estar muito velho pra ficar ridiculamente pagando de gatinho no Shopping com um celular que tira foto. Se enxerga!) Mas pro vizinho da frente tua mulher deu uma sunga de oncinha.

Enfim, pensei tudo isso e depois desencanei. Até porque acho que também não vou ganhar nada nesse natal, e falar com o Walmor só me deprimiria mais.

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Ratos, cobras, humanos e a luta pela vida

Lembro-me de ter visto na tevê, certa vez, uma matéria gravada no Instituto Butantã. A matéria era sobre cobras e outros bichos peçonhentos. Desse dia ficou uma imagem na minha cabeça que, de certa forma, me marcou: mostraram como as cobras eram alimentadas. Então estava lá a sucuri (ou alguma outra serpente qualquer) dentro de um aquário, na posição estática, lenta e conformada das cobras, especialmente as que vivem em cativeiro. Nisso o biólogo tirava de uma gaiola um simpático ratinho branco, desses que a gente sempre quis ter como bicho de estimação em determinada fase da vida. Então o ratinho, subitamente, é jogado dentro do aquário no qual está a cobra, enrolada num galho. A partir daí, a coisa é realmente chocante: o rato fica paralisado de pavor, ao mesmo tempo que parece estar em transe ao se sentir mirado pelo olhar hipnotizador de sua futura predadora. A cobra fica uns bons segundos parada, como se estivesse indiferente ao almoço servido. Talvez ela esteja, naqueles segundos, saboreando docemente a sua superiodade e a certeza matemática que tem de que triunfará sobre aquele ser vivo insignificante. Talvez ela visualize de imediato o processo de deglutição, desde o bote certeiro até os dentes cravados na mandíbula do roedorzinho, matando este aos poucos. A cobra deve mesmo sentir um êxtase profundo, enquanto o rato deve sentir-se paradoxalmente tomado de desespero e resignação. Enfim passam-se os segundos e a agonia do rato termina: a cobra anima-se em atacar e dá o bote rápido e certeiro. O rato morre enquanto seus ossos são triturados por uma boca que sequer percebe a grandeza de Deus quando criou todos os seres, dando a alguns certas vantagens sobre outros em determinadas circunstâncias.
Alguns céticos poderiam, com esse exemplo, questionar a Justiça Divina, já que nesse caso o rato foi condenado sem apelação e defesa a uma morte cruel e humilhante. Mas será que é feliz a cobra, sendo obrigada a viver num aquário e dependendo da caridade alheia? Será que não se sente ela própria humilhada por estar sempre em posição privilegiada diante do rato, mas desfavorável diante do mundo? Se me perguntassem quem eu gostaria de ser, se o rato ou a cobra, confesso que não saberia o que responder. E que pra mim seria um dilema ficar pensando nisso, porque a injustiça dói, tanto para o injustiçado quanto para o favorecido.
***
Outro dilema que sempre me impressionou muito foi o de um roedor que por meses atazanou a vida de meus pais. Morávamos num sobrado que era, na verdade, um recorte da fauna brasileira: era povoado por seres humanos, baratas voadoras enormes e, vez por outra, para desespero do meu pai, apareciam ratazanas gordas do tamanho de gatos em casa. Pois bem, entre esses roedores, existia um que desafiava meu progenitor. Meu pai até hoje narra - até com uma ponta de orgulho - os feitos daquele rato, que se enfiava em buracos com volume menor do que seu corpo, desafiando a física e a geometria. Foram noites seguidas perseguindo o traquinas pela cozinha, vassoura na mão, jornadas frustradas pela madrugada adentro.
Em 1991 saímos do sobrado e viemos para o apartamento onde moramos até hoje. Deixávamos para trás todas as baratas e ratos. Pelo menos era o que pensávamos.
Eis que, feita a mudança, estavam meus pais na sala tomando uma cerveja quando ouvem um barulho na cozinha. Meu pai, que sempre foi um sujeito preocupado com as coisas de casa, correu para ver o que era. O barulho vinha do fogão, mais precisamente de dentro do forno. Foi então que eles descobriram a última peraltice de seu velho amigo rato: afeiçoara-se tanto o bicho aos seus companheiros de perseguições noturnas, que resolvera mudar-se também junto com eles, vindo confortavelmente instalado na classe econômica de um fogão. Pensando como um rato, entendo o lado dele: primeiro que eu também sentiria falta de meus pais se fosse ele. Afinal, a gente sempre se apega às coisas que nos cercam, incluindo aí os nossos inimigos. Acabamos, de um forma ou de outra, nos sentindo atrelados a eles, e a sensação de vazio é enorme para uma pessoa que perde de alguma forma seu maior rival. Um sentimento que se assemelha vagamente à morte de um amigo, por exemplo. A vida perde parte de seu sentido. Afinal de contas, ninguém conhecia tão bem aquele rato quanto meus pais e ele, no fundo de sua mentezinha de mamífero, devia saber disso. Se é pra ser perseguido, que seja por alguém que já demonstrou méritos nesse sentido (mas posso estar fazendo aqui uma abstração totalmente estapafúrdia, e nesse caso peço ao rato - esteja ele onde estiver - que me perdoe pela minha pretensão). Além disso, o interior de um fogão deve ser um local conveniente para se alojar, quente e com farelos de alimentos convenientemente à nossa disposição de animal marginal.
Bom, meu pai é que não gostou muito daquilo, pois já começava a pensar no regulamento interno do condomínio, que proibia a presença de ratos não-vacinados nos apartamentos. Talvez hoje em dia meu pai sinta, ainda que não nos diga, um vazio dentro do peito por não ter mais as madrugadas perdidas atrás do rato. Mas naquele dia, sem alternativa, ele agiu como um assassino frio e calculista. Deu umas porradas no fogão pra ver se o rato sairia de lá de dentro e percebeu que isso não ocorreria. Claro, o bicho se especializara nesse tempo todo em se esconder, se entocar, desafiar a física e a geometria, sobreviver, etc. Então a mente de meu pai bolou a armadilha cruel: fechou a passagem da cozinha para a lavanderia com dois engradados de cerveja empilhados, para que o rato não tivesse para onde fugir. Evacuou a cozinha para que ninguém o atrapalhasse naquele combate final. E no requinte máximo da crueldade, após munir-se de uma vassoura, acendeu o forno.
Meu pai sempre nos deixou claro, em seus relatos, a bravura daquele rato. Ele sabia que se ficasse naquele forno, morreria torrado. Mas sabia também que se saísse, encontraria meu pai esperando-o com a vassoura na mão - e ele sabia disso porque, de minuto em minuto, desesperado, punha a cabecinha pra fora pra calcular que chance teria de sair dali e escapar. Mas via meu pai e voltava pra dentro do forno. E ficou o pobre animal por muito tempo naquele impasse, o tal dilema cruel a que me referi no começo desse relato. Ele que tantas vezes triunfara diante de meu pai, sabia que suas chances agora eram reduzidas, nas circunstâncias em que se encontrava. Decidiu ficar o maior tempo possível dentro do forno, assim como Jack e Rose procuraram ficar o máximo de tempo possível no Titanic antes que esse afundasse. Até o momento em que não deu mais: agoniado, o rato saiu de dentro do forno. O que fazer, ficar dentro do Joelma em chamas e queimar até os ossos ou saltar para a morte de uma vez? O rato escolheu saltar para cima de meu pai. Foi para cima do velho com fúria, atacando para se defender. Antes ainda tentou saltar pro sobre os engradados de cerveja, e meu pai conta esse lance como mais uma proeza do rato: deu um pulo que surpreendeu a todos e foi chocar-se alguns metros acima com o segundo engradado de cerveja. Por pouco não conseguiu um milagre que lhe garantisse a sobrevivência. Caiu no chão desnorteado. Tomou a vassourada fatal desferida por meu pai. Morreu como um herói.

Dedico esse texto aos roedores. São seres que a espécie humana repudia, mas que eu aprendi, por meio de observações, a louvar pelo instinto de sobrevivência e pelo espírito de luta. Os ratos não se rendem nunca. Talvez rendam-se apenas em casos extremos, como no caso de estarem à mercê de cobras, sem chance de tentarem uma defesa. Já os seres humanos se rendem sempre.

sábado, dezembro 10, 2005

Escândalo familiar

Quando Teresa Cristina chega em casa, no domingo à tarde, depois de um fim de semana de farra em Ilhabela, encontra na sala a mãe, a avó, o avô e os 3 irmãos, todos sentados com cara de luto.

"Faaaaaaaaaala, galera! Fala, mãezinha! Belezinha, linda?"

A mãe, olhos tristes, sem esperança alguma na vida, responde em tom híbrido de raiva a amargura:

"Seu pai sofreu um enfarte, Teresa Cristina!"

"Caralho! Meu Deus! Mas como?"

"Ele cismou de dar uma geral no seu quarto... E encontrou uma coisa lá... Enfim, o coração não aguentou..." - uma lágrima quente escorrendo pelo rosto da mãe.

"Puta que pariu!" - pensou a moça - "Ele deve ter achado o bagulho escondido! Tô fudida!"

"O que ele achou, mãe? Aliás, eu fico puta com esse lance de ficarem mexendo nas minhas coisas!"

"Teresa Cristina, o que é isso?" - perguntou a mãe, exibindo um objeto que extraiu uma careta da avó e um meio sorriso esclerosado do avô.

Teresa Cristina olhou para aquilo e sentiu vontade de rir. Mas lembrou-se do pai, militar reformado, enfartado num leito de hospital, e a vontade passou. O pai não encontrara a maconha que ela tinha no quarto, como pensou a princípio. As trouxinhas de marijuana continuavam muito bem guardados na gaveta das calcinhas. Sentiu vontade de correr pro quarto e acender "unzinho". Mas não dava. Ali à sua frente, a mãe ainda segurava aquela cinta cor-de-rosa com um pênis de borracha preso no lugar no qual - num cinto convencional - estaria a fivela. E perguntava, já aos berros, o que diabos era aquilo. Cansada, com a vagina meio assada, querendo apenas tomar banho e dormir um pouco, Teresa Cristina murmurou:

"Ah mãe, me deixa em paz, vai!"

A mãe puxou-a pelo braço. Era uma filha de uma puta! Que exemplo dava para os irmãos pequenos? Enquanto isso, segurava ainda na mão direita o objeto fálico, e a irmã menor de Teresa Cristina olhava para aquilo com curiosidade infantil cheia de assombro.
A mãe passou-lhe um belo esporro. A avó auxiliou, lembrando máximas da moral humana antiga. Teresa Cristina ouviu até o ponto em que o alcool e o chá de cogumelo no cérebro permitiram. Até a hora que resolveu explodir:

"Puta que o pariu! A vida é minha, porra! Esse consolo é meu, sim! E daí? Que direito vocês tem de mexer nas minhas coisas?"

Levou um sonoro tapa da mãe. Sua ira se descarregou em cima dela:

"Sua recalcada! Velha mal-comida! Casada com esse velho broxa, que só te reprime! É uma infeliz! Eu já sou o contrário: sou tão bem comida, que até eu mesma me como!"

A mãe estava convencida de que Teresa Cristina tinha virado puta. Um grande desgosto. Ela e o Tavares criaram a filha tão direitinho! Em que curva do caminho a caminhonete pode ter capotado desse jeito?

"Pra que você usa isso, sua vagabunda? Fala!"

"Quer mesmo saber, mamãezinha? Tá bom, eu digo: isso aí é uma cinta-caralho. Comprei num sex-shop, porque sou bissexual e gosto que as minhas amigas me enrabem! E o que é melhor: eu adoro enrabar minhas amigas! E você sempre achou que o que eu e a Soninha fazíamos no quarto aos sábados à noite era dizer fofoca, né?"

A mãe desmaiou. A avó tentou acudir. O avô roncava alto no sofá, a essa altura já com um riso rasgado no rosto. Os irmãos choravam, enquanto a irmã menor segurava a cinta-caralho, balançava-a para os lados, divertida, e procurava o botão que se deveria apertar para que ela "fizesse barulhinho ou piscasse".

Quando o pai saiu do hospital, nenhuma das partes se dirigia a palavra naquela casa. Depois de muito pensar sobre o que aconteceu - inclusive sobre o que a filha dissera, de que ela era "mal comida" - a mãe chegou à conclusão de que Teresa Cristina estava com encosto. Discutiu com o marido até convencê-lo de que era melhor levá-la no descarrego da Igreja Universal do que expulsar "nossa menina" de casa. Decidiu levá-la assim que Teresa Cristina pisasse em casa de novo. Não foi possível. No mesmo dia chegou a notícia do acidente de carro. O Sargento Tavares foi chamado ao IML pra fazer reconhecimento do corpo.

quarta-feira, dezembro 07, 2005

A beleza da mulher brasileira hoje no Brasil

Sei que a mulherada que visita esse blog (imaginariamente, é claro!) irá me xingar, mas não posso deixar de postar aqui a foto do pitéuzinho que ilustra a edição de Playboy que chega às bancas esse mês. Já que a Sandy se recusa a mostrar a periquita, a vilã daquele seriadinho dela faz a nossa alegria. E é por isso que eu prefiro as marvada...




Fernanda Paes Leme nua na edição de dezembro da Playboy

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Marcas pelo fogo

Fui vacinado contra a poliomelite. Um nome engraçado de doença, que minha mente infantil sempre associou à palavra "omelete". Poliomelite: uma doença cruel que faz com que você só consiga ingerir omeletes como alimento. Isso efetivamente aconteceu comigo. Não tive poliomelite - fui vacinado - mas tive uma infecção bucal (teria sido afta?) que me deixou a boca podre, com pedaços de pele preta se desprendendo dela. E nessa época não pude comer nada além de omelete. Aliás, acho que foi a partir daí que comecei a gostar de omelete.

Fui vacinado também contra a rubéola, difteria, paralisia infantil. Contra o tétano, por um descuido qualquer de meus pais, perdi a primeira vacinação. Só depois, com dezesseis anos, tomei a injeção anti-tetânica. No entanto, nunca fui criança de brincar descalça e me cortar com lata oxidada ou caco de vidro. Fui sim uma criança desengonçada, acostumada a cair e a bater a cabeça. Uma queda atrás da outra desde que sai do útero da D. Lilian. Aliás, embora minha mãe não se recorde, é muito certo que minhas primeiras cabeçadas na parede tenham sido nas paredes do útero de minha mãe. E depois de nove meses, resignado e atento, vim pra fora começar a ouvir os acordes das canções do ambiente.

Não gostava de injeção, era evidente. Preferia a vacina de gotinha. Hoje em dia, mudei meu pensamento e passei a acreditar numa maior eficiência da injeção ante a gotinha que pode muito bem ser cuspida em vez de engolida.

Acreditava que não podia tocar as estrelas do céu, pois queimaria minhas mãos. E não seria uma reles queimadura, como uma queimadura de cigarro comum. Seria uma queimadura amarga, dolorosa. Uma queimadura dessas que deixam cicatrizes. Quando me queimaram no Senai com aquele ferro de solda, meus colegas aproveitaram o fato de ser eu uma pessoa sugestionável para me dizer que o estanho do ferro de solda entraria na minha circulação sanguínea e eu seria contaminado. Outros disseram que a cicatriz ficaria pra sempre. Não ficou. E, que eu saiba, não fiquei sequelado pelo estanho no cérebro. Fiquei sim com uma marca muito leve, quase imperceptível, só pra me lembrar da maldade dos meus amigos daquela época e de como as crianças se deixam levar pelas bobagens das outras.

Quando era pequeno, acho que me queimaram com cigarro. Acidentalmente. Mas não tenho lembrança nítida disso, então não posso garantir que aconteceu. Pode ter sido um sonho ou pode ter ocorrido noutra vida. Quem sabe? Com dezoito, me queimaram novamente e disso lembro-me bem, apesar do vinho no cérebro. Foi no mesmo dia em que magoei a mim mesmo e à Maria Sílvia. Um dia que tentei esquecer, mas que talvez seja mais edificante relembrar. Todo amor, ainda que pirofágico e acidental, é válido.

Minha mãe foi negligente. Esqueceu-se de me vacinar contra os amores e as queimaduras.

Hoje sou um homem, praticamente. Um homem habituado a comer omeletes, tomar injeções e ignorar estrelas. Um homem que não se importa em ser desagradável, quando necessário. Um homem que teme o amor, os cigarros, os ferros de solda, a opinião clínica (e cínica) alheia. Um homem bem menos sugestionável. Um homem que, apesar de tudo, ainda acha engraçada a palavra "poliomelite". Ainda que a idéia de pensar nas crianças com poliomelite tire um pouco da graça disso.

***
CORINTHIANS TETRACAMPEÃO BRASILEIRO! PARABÉNS MEU TIME QUERIDO!
1990 - 1998 - 1999 - 2005

sexta-feira, dezembro 02, 2005

UOU-U: Bons e velhos tempos...

Surgiu como uma brincadeira. Um webgroup do Yahoo pra juntar alguns amigos e falar bobagens. Mas logo percebi que ele se tornou uma importante ferramenta para integrar as pessoas e pra fazer amigos os meus amigos. E também um local no qual eu podia desenvolver -ainda que de forma economicamente improdutiva - a minha criatividade. De início eram apenas os mais chegados, a galera que fez cursinho comigo, alguns amigos mais próximos mesmo. O nome surgiu de mais um dasvario da minha cabeça: UNIÃO DOS OUVINTES UIVANTES DE U2. Que transformei em sigla durante uma partida de Winning Eleven com o Cirilo aqui em casa. Uma sacada até boa, mas aparentemente sem utilidade. Até o dia seguinte, quando decidi que tinha que criar um webgroup mais legal e bem sucedido que o do Cirilo, a "Matinha de Poetas" (que era pra ser "Matilha", se o burrão não tivesse errado na hora de digitar a palavra). E então fiz no dia 6 de setembro de 2003 o UOU-U, juntando o pessoal. Esse grupo para mim rendeu algumas amizades, com pessoas que eu inclusive conheci ali e depois pessoalmente (Liliane e Pedro, por exemplo) e que hoje são grandes amigos. E tem também a Irismênia lá no distante Ceará. Enfim, acho que deu pra entender o que foi o UOU-U. Digo foi porque, apesar dele ainda existir fisicamente, ele não está mais funcionando na prática, embora a expressão "UOU-U" ainda seja usada pra se referir a esse grupo de pessoas. Pessoas diferentes, de diferentes lugares e com cabeças diferentes, que se uniram em consequência dessa minha idéia, o que me deixa um tanto quanto orgulhoso, mas principalmente feliz.

Enfim, esse bla-bla-blá todo é porque recebi hoje uma foto bacana de um encontro nosso, que a Karina editou e me mandou. E achei que seria legal homenagear os meus amigos. Eu amo vocês!
E não liguem pra esse sentimentalismo barato, fim de ano sempre me deixa assim.


Confraternização UOU-U em fevereiro de 2005, dia do meu aniversário. Center Norte.

Ao fundo, da esquerda para a direita: Fabi, Karina, Vanessa e Camila. Embaixo, idem: Wellington, Deco, Pedro, Léo Frotinha, Cirilo e Liliane.

A arte da foto foi feita por Karina Saijo.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Republicação

Com o blecaute do Weblogger e a consequente mudança repentina de endereço, os últimos textos do meu blog ficaram legados ao limbo. Decidi repostá-los aqui, só pra dar liga entre o blog novo e o velho. Não que eu creia mesmo com alguma convicção de que serão lidos aqui, mas enfim, não custa tentar.

Um conto bobinho...

Soundtracks

Ela me liga às 3 da manhã:

"Preciso de uma música para uma cena..."

"Hein?"

"É João... quero que você me arranje uma música pra uma cena!"

"Que cena?" - minha voz reluta em sair, tamanha é a sonolência.

Ela está escrevendo um argumento, que se tornará roteiro para um filme. É sobre um poeta e sua vida. Mas a cena para qual ela pediu minha ajuda é especificamente sobre a morte do poeta. Uma "morte no mar", segundo ela me conta:

"Ele está com câncer e sabe que vai morrer. Então ele caminha em direção ao mar e terminamos a cena assim".

"Olha Irene, não posso compor nada agora. Tô gravando um disco, já na fase final..."

"Porra, João! Que custa? Você faz a merda da música em cinco minutos, depois ainda dá tempo de incluir ela no teu disco!"

"Caralho, Irene! Cê tá pensando que eu sou um juke box? Eu não cago música não, porra! Você não sabe o sacrifício que foi pra mim compor as doze músicas desse meu álbum. E ficou uma merda. A crítica vai cair matando em cima de mim. Vão dizer que eu tô decaindo. Vai ser um fiasco. Não tenho nem uma música de trabalho decente! A fase tá brava, falta de inspiração total!"

Ouço um suspiro de Irene. Ela definitivamente não me ligou para ouvir histórias de um músico fracassado. Ela confia em mim, confia na minha inspiração, confia nos meus insights. Ela sabe que eu sou capaz de compor uma música para uma morte no mar.

"Já me acordou mesmo. Vem pra cá, vai! Você me fala do personagem, eu pego o violão e a gente faz alguma coisa!"


***

Na manhã seguinte, Irene me acorda com um beijo na nuca. Ela está vestindo uma camiseta minha, estampada com uma foto do Charles Chaplin. Me traz o café e pergunta:

"Você acha mesmo que eu devo incluir Oswaldo Montenegro na trilha comprada?"

"Por que não?"

"Ora, João! Eu quero fazer um filme comercial!"

O Oswaldo Montenegro é um incompreendido.


***

Meu disco saiu em dezembro. Um fiasco, de crítica e público. O filme de Irene saiu uns dois anos depois. Fiasco de público, mas bem acolhido pela crítica. As resenhas costumavam elogiar o roteiro, a fotografia e tudo o mais, só ressaltando que a trilha sonora, assinada por um certo João Pessoa (músico que - no seu disco de estréia - se destacou na nova safra mas que depois, nos trabalhos seguintes, caiu no lugar comum), deixava a desejar. Anos depois Irene me contou que se inspirou em mim para criar o poeta. Logo em mim, que sempre detestei o mar.

"Eu bem que disse pra você colocar Oswaldo Montenegro na cena final..."

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Outro conto bobinho...

Criador e criatura

Um camarada barbudo estava andando pelo calçadão de Copacabana, de madrugada, quando viu uma moça bêbada, se equilibrando nas pernas, andar em sua direção. Ela era a cara da Mariana Ximenes.

"Estou reconhecendo você..."

O rapaz olhou-a com nojo. Uma puta decadente, de maquiagem borrada. Mas era a cara da Mariana Ximenes.

"Você sabe quem eu sou? Sabe porque eu vim parar aqui? É tudo culpa sua!"

Esticou o braço e, se não estivesse bêbada, o tapa que desferiu teria acertado em cheio o rosto do jovem músico. Porém a mão errou o alvo e a moça se desequilibrou e foi ao chão, onde ficou murmurando, entre soluços:

"Eu te dei fama, dinheiro, popularidade. Mas eu era muito burra pra você, né? Você não precisava de gente correndo atrás de você e invadindo teu quarto no hotel. Você precisava era de STATUS! Intelectualzinho de merda!"

O rapaz virou as costas e continuou andando. Mas a puta, implacável, o seguiu, ainda dizendo:

"Meu nome fez o teu nome. Quem era você antes de mim? Um nada. Um alguém sem carinho. Mas eu te dei tudo e você cuspiu em cima de mim. Me esqueceu, me jogou no lixo. Eu era pop e caí no funk. Você cada vez mais MPB. Banquinho, violão, dor-de-corno, maconha, Chico Buarque, o caralho! Pra mim, sobras: uma ou outra lembrança, um ou outro recorte de revista."

"Me deixa em paz, Anna!"

"Ora! Lembrou meu nome? Lembrou daquele nome que você abençoou, porque ele colou no cérebro de todos os pré-adolescentes e te ergueu mais alto do que você sempre sonhou?"

"Você sabe que não é nada disso. Me deixa em paz! Me esquece!" "Não, Marcelo. Você é que já me esqueceu".

Marcelo apressou o passo e saiu dali, deixando Anna Júlia caída na sarjeta. Ele tinha vergonha daquela mulher que tanto amara no início, mas que agora se deitava até com forrozeiros de quinta categoria. E Anna Júlia, afogada em solidão, sabia que ele já não queria o seu amor, que ele já não gostava dela e que ela não era quem ele sempre sonhou. E que não adiantava reconquistar seu amor todo para ela.

Postado originalmente em: www.freud_aperta_um.weblogger.com.br, no dia 23 de novembro de 2005.