domingo, maio 24, 2009

Memórias Sentimentais Imaginadas

Invenção 1.
Eu a conheci na fila do banco, ela ia descontar um cheque. Cheque de quem? Do patrão? De um cliente (ela era uma stripper part time)? De um freguês do salão? Da aposentadoria da tia? Gratificação? Cheque roubado?

Eu me aproximei, disse "não se mexa", delicadamente aproximei meu indicador do seu queixo e cocei devagar, com cuidado, até retirar aquele pontinho preto que maculava um milímetro da pele branca, extremamente branca, desprovida de maquiagem. Ela, como nos meus sonhos, sorriu para mim, olhou-me em direção dos meus braços, perguntou "você gosta de poesia?"

Na cama, era langorosa, ao mesmo tempo que lasciva. Fazíamos amor por horas, sem cansaço, sem tédio, sem pudor, sem os grandes pensamentos que atrapalham as pequenas ações. Nos superávamos sempre, cada re-edição do ato era um volume melhorado, aprimorado, próximo da perfeição, ainda que a perfeição não exista. A simples proximidade dos seus lábios com qualquer parte do meu corpo, da mais inocente à mais íntima, me enchia de uma indescritível energia, uma coisa que me fazia voltar à origem, a todas as reminiscências, outras vidas?, não sei, evito leviandades. Entre um exercício e outro, ríamos um pro outro, calados. Palavras eram desnecessárias e talvez fossem mesmo até perniciosas naqueles dias. Eu amava, mas ainda não me sentia completo. Sentia um imenso vazio, uma agonia, e achava que se nem essa coisa suprema que é o sexo podia me satisfazer, o que poderia?

Invenção 2.
Sou um latifundiário e ela é escrava do meu feudo. Tem a pele marrom brilhante, ancas largas, dentes muito brancos. Mas seu rosto é duro, rude, e a boca é expressiva apenas quando ela quer provocar. Desejo seu corpo, tenho febres à noite, que me fazem levantar da cama, atirar água às faces. Volto, reviro-me, de um lado para o outro. Nada me alivia. Penso em me masturbar, volto ao banheiro. Nada me alivia. Visto uma camisa, ajeito as calças, calço um chinelo e desço as escadas. Ela vive num barraco, aos fundos da propriedade. Dorme com a janela aberta, por causa do insurportável calor que faz aqui. Eu afasto com o pé os objetos que estão no chão, enfio primeiro a perna direita, depois a esquerda. Estou no seu quarto e ouço seu ressonar. Aproximo-me do seu leito e a visão do seu corpo nu, sólido, preto na escuridão da noite me enche de uma emoção e de um medo que me fazem recuar um passo. Meu pé esbarra numa bacia, ela acorda. Sinto que quer gritar, mas não o fará. Ela jamais deixará que eu saia da luta como vencedor. Quando estou sobre ela, penetrando-a, ela não esboça reação, não demonstra a mais ligeira vontade de lutar. Sua apatia, sua entrega, seus gemidos, tudo isso faz parte de um estratagema detalhadamente calculado. Ela sabia que isso ia acontecer. Ela me quer, mas não dessa forma. Ela quer me subjugar, inventer o jogo a seu favor. Quase me arrependo de ter caído em sua armadilha, mas agora é tarde para voltar atrás. Alguns segundos antes de eu chegar ao clímax, junto com ela, ouço-a dizer, a voz mole, contrastando com os duros músculos do seu corpo: "seu branquinho safado".

Invenção 3.
A ignorância da verdade pouparia esses sofrimentos.

"Você dormiu com ele?"

Ela me olha fundo nos olhos e seu silêncio me faz compreender a resposta para a pergunta. Pergunto se ela sentiu prazer. Novamente o terrível silêncio, que eu não desejava ouvir. Sigo na minha pequena auto-punição, pergunto pormenores, detalhes, querendo montar o quebra-cabeça de toda aquela lúxuria, traição, sujeira, animalismo. Estamos entrando por um caminho sem volta. Estou me sentindo confuso. Sinto repulsa por ela, mas ao mesmo tempo quero possuí-la, fazê-la gozar seguidamente, muitas vezes. Quero bater nela, até deixá-la desacordada. Aproximo-me. Sinto o medo nos seus olhos. Mas, de repente, um brilho diferente, ela prevê o que vai acontecer e seu corpo se encoraja. Ela agora me desafia, me encara, ela me deseja, deseja o que vou fazer. Está disposta a encarar com alegria e prazer o seu destino, tirar proveito de cada minuto, de cada movimento, sair daqui redimida, liberta, sem dever nada a ninguém. Arranco suas roupas, arrebento seu sutiã e o elástico deixa a pele das suas costas marcada. Ela tem o corpo esguio, o rosto delicado e fino, um pouco masculino. É bonita, inclusive em suas imperfeições. A boca pequena, de lábios muito finos, percorre meu corpo, com pequenos beijos arrepiantes. Deixo que ela se detenha onde quer se deter, não há porque apressar nada. Não há nada de fúria em nosso derradeiro ato. Estamos apenas cumprindo a etapa que falta, livrando nossa consciência de futuras culpas sobre coisas mal-resolvidas ou inacabadas. Quando ela retorna à minha boca, depois de ter me propiciado um prazer nunca antes sentido, agarro-a pelas ancas e entro nela. Nossos movimentos são um balé bem ensaiado, uma coisa que tenho vontade de filmar e deixar como presente para as próximas gerações. Não sei quanto tempo se passa, nossos corpos suados e seus cabelos finos colados no meu peito, pescoço e rosto, até que gozo dentro dela. Ela inicia um movimento para se virar de lado, mas eu a agarro pelo pescoço. Trocamos um olhar cheio de lembranças, pedidos de desculpas recíprocos, liberações e perdão. Aperto meus dedos sobre a pele fina e macia do pescoço e colo meus lábios em sua testa quando ela começa a se debater. Quando ela enfim se acalma e repousa, depois daqueles eternos quatro minutos, eu a deito com a barriga pra cima, lambo pela última vez cada centímetro do seu corpo, primeiro da testa até a ponta do dedinho do pé, depois a viro de bruços e lambo da nuca até a ponta do calcanhar. Deixo-a de bruços. Cubro seu corpo com o lençol. Visto-me, penteio os cabelos, permito-me derramar uma última lágrima ante a visão da mulher que tanto amei. Saio. O amor é uma coisa má, penso no elevador, e a verdade é nociva ao amor. A ignorância da verdade. Nunca mais vou mexer nessas feridas de novo. Besteira. Sei que vou.

Invenção 4.
Acordo no meio de uma noite fria. Sou um homem solteiro, apaixonado, cheio de medos e frustrações dentro de mim. Amo uma mulher que não me ama. Amo uma mulher que não pode me amar. Não me conformo com isso. Sinto como se toda a minha vida tivesse sido uma preparação para estes momentos que estou vivendo. Sinto no ar uma promessa e tenho medo de que todas as coisas sejam vãs. Desejo-a como se deseja a rendição quando não há mais forças para lutar. Me entreguei a ela, estou em suas mãos e agora é tarde. Ela é meu pensamento, minha vontade, o poder da minha decisão o alimento de minhas paixões, de minha energia, da minha vontade de viver. Mesmo que quiséssemos, seria impossível cortar esses laços.

Re-invenção.
O amor.

sexta-feira, maio 08, 2009

O sonho dentro do sonho

Não sei dizer quando foi que eu me apaixonei pela primeira vez. Acho que essas paixõezinhas de criança não contam. Também não sei dizer quando foi que eu comecei a ficar destrambelhado por causa de mulher. Eu já li histórias de amores terríveis, em que os homens se degeneram, se afundam, se matam, se viciam e enlouquecem por causa de mulher. Eu sempre fui um cara racional e acho um absurdo uma coisa assim acontecer. Não consigo entender como o homem, a mais sublime das criaturas, privilegiado pela natureza, dotado de extraordinária inteligência e livre-arbítrio, pode ser tão fraco a ponto de ser destroçado por seus próprios sentimentos.

O fato de questionar essa realidade nunca impediu, no entanto, que eu pulasse de cabeça nos meus sentimentos. Eu nunca tive muita medida das coisas. Não esperava acontecer o mais ínfimo indício de correspondência afetiva para me perder de amores por uma moça que julgasse interessante. Nessas, eu entrei bem. Já ouvi aquele famoso "eu gosto de você, como amigo". Já ouvi coisas mais dolorosas, como "se pudesse escolher por quem me apaixonar, seria por você". Já ouvi muita coisa que me apertou o coração, me desesperou, me fez pensar que nunca, nunca mesmo, eu seria amado por alguém. Tais insucessos criaram em mim um trauma, um sentimento derrotista que eu não me orgulho em assumir, mas que é a pura verdade.

Por esses dias, novamente, eu tive um aperto desses no peito. A diferença é que, desta vez, o buraco é bem mais embaixo. Estou apaixonado, mas não só isso. Estou envolvido por uma pessoa em todas as esferas do meu ser, um sentimento múltiplo, agressivo, por vezes opressor. O sofrimento por amor não é uma coisa inédita na minha vida, como estou aqui relatando. Mas o que estou sentindo desde meados de 2007 - e que só faz aumentar, a cada dia - é sem dúvida a coisa mais aterradora por que já passei. Não tenho a quem recorrer, senão aos amigos - e a essa própria pessoa que, por sinal, é minha amiga. Não tenho como recorrer aos vícios, pois que não os tenho, nem quero contraí-los. Não tenho como fazer uma viagem prolongada, um reexame das minhas contas. Nada. Estou só na estrada, lutando comigo mesmo. Dizendo NÃO ao SIM que sai do meu peito. Hormônios à mil, transtornado, com raiva de ser impúdico quando a minha natureza está gritando, exigindo pronta satisfação aos seus desejos, criando mil desvarios na minha mente, inventando histórias pecaminosas, deliciosas, más. Uma luta árdua, ainda mais pra mim que não sou forte. Querendo manter minha dignidade, meu orgulho, meu respeito, quando o animal que está dentro de mim quer sair, possuir, destroçar, dominar. O cavalheiro que sou, que só tem amor a oferecer, rosas, carinhos, este está tendo uma queda de braço com o homem que eu sou, o famélico homem que eu sou, contidos desejos há muito tempo, fome imensa a saciar.

Eu quero saciar minha fome. Matar e morrer de amor, como se a vida fosse se extinguir em alguns minutos, como se o sonho fosse acabar a qualquer momento, no raiar de um dia cinzento que vai me tirar da cama e me jogar na rua, com nada nas mãos e tudo começando do zero. Eu luto, luto para manter vivo o sonho dentro do sonho, a esperança de olhar pra cima e furar o bloqueio da fumaça, enxergar o horizonte da minha felicidade, alcançar a visão plena do que está aqui para por mim ser fruído, que a ilusão que tomou corpo bloqueia. A ilusão tomou corpo e o corpo é minha ilusão, o corpo é a imagem que se cravou fundo dentro de mim, que me inquieta a alma, me sacode, me causa os tremores e tira o sabor das coisas que eu antes degustava com verdadeira alegria.

Eu estou pronto. Para esquecer. Para me cortar. Para amar. Para fugir. Para me expor. Para ser feliz. Para morrer. Para me redimir. Para tudo.