sexta-feira, outubro 30, 2009

Casais com filhos não podem morar num loft

Vou lhe contar uma coisa, Carlos, todo mundo sempre achou que minha vida é fácil porque eu sou muito rico, mas a vida do rico é mais difícil que a do pobre. O pobre pega ônibus lotado e trabalha o dia todo, mas quando ele chega em casa consegue se desligar do mundo, jantar em paz com a família, assistir as 3 novelas que passam de noite e, lá pelas 10 horas, bota a cabeça no travesseiro e dorme feito uma pedra. Eu não. Eu estou com uma úlcera nervosa e não passa um dia sem que eu receba ligações no celular com algum problema da empresa para resolver. Perco assim as poucas horas do dia que poderia passar fazendo alguma coisa agradável. Para piorar, já tem vários meses que sofro de insônia crônica e já aconteceu de eu passar várias semanas seguidas dormindo apenas três horas por noite.
Carlos, você é homem e deve saber como é horrível a sensação de não satisfazer sexualmente a sua parceira. Pois eu estou imprestável na cama, tanto com minha mulher quanto com minha amante. E o pior, Carlos, é que não consigo me livrar de nenhuma das duas. Minha mulher, se eu lhe der um chute, leva tudo o que eu tenho. E, de qualquer maneira, ela é uma boa mulher, uma boa mãe, uma esposa lúcida, econômica, discreta, elegante, filha de um homem fantástico... Eu já lhe disse a adoração que tenho pelo meu sogro, o Dr. Eduardo Telles Maia? Comecei como boy na empresa dele, ele me deu tudo, é um homem fantástico, um benemérito, me casou com a filha dele, ensinou tudo o que eu sei, me tirou da cadeia, pagou advogado, abafou o caso em que estive envolvido, do qual não quero falar agora... Também em consideração ao Dr. Eduardo é que nunca fui capaz de magoar a Lúcia, ela também ama o pai, confia muito nele, conta tudo para ele.
Mas, Carlos, o fato é que tem dois meses que eu não consigo fazer a Lúcia ter um orgasmo. Me sinto um imprestável, quanto mais ela se mostre compreensiva. Compreensiva mesmo nos dias de puro estresse, em que meu pau não levanta de jeito nenhum, e ela faz uma cara compassiva e me diz "meu bem, isso acontece, você está trabalhando demais, deixa que eu te faço uma massagem". A massagem da Lúcia é péssima, me deixa inteiramente moído. Até prostituta de cinquenta reais já me fez massagem melhor.
Minha amante é mais jovem, mais atraente e totalmente submissa, como deve ser uma amante. Nunca me ameaçou nem chantageou, mas tenho medo dela. Conheço coisas desabonadoras sobre seu passado. Nunca se deve confiar numa mulher, mesmo que ela seja uma mulher muito religiosa, aliás, dessas é que mais devemos desconfiar, sempre me disse o Dr. Eduardo, que perdeu a esposa muito cedo, porque a mãe da Lúcia foi levada pelo câncer quando ela tinha nove anos de idade. É a pura verdade. Você sabe, Carlos, o quão pérfidas e manipuladoras são as mulheres. Lúcia? Também é. Sei o que disse há pouco, que ela é uma santa mulher e que, por isso, não a chuto. Mas também Lúcia é manipuladora, e pérfida. E me obrigou a se casar com ela usando o pai, ela sabia que eu faria qualquer coisa que me pedisse o Dr. Eduardo. O Dr. Eduardo me chamou um dia no escritório, me disse "pega, experimenta um desses, mandei trazer de Cuba" e fumamos por um bom tempo, os dois calados, o Dr. Eduardo sempre pensa muito antes de dizer alguma coisa, e enfim ele me disse "Eu faria muito gosto que você namorasse a Lúcia", e um ano depois eu estava entrando na igreja, uma cerimônia linda, a Lúcia escolheu as músicas, os arranjos, tudo, ela tem excelente gosto, e a festa foi arrasadora, reuniu a melhor sociedade da época, e eu ainda era um bichinho do mato, arisco, me cagando na frente daqueles figurões. É controverso isso, porque sempre fui muito inteligente, seguro de mim mesmo e com tino pros negócios, mas no começo eu não me sentia à vontade, sentia como se tivesse invadido a vida de outra pessoa, uma vida que não era para mim, você está entendendo o que estou dizendo? Os anos se passaram e eu fui amadurecendo aquilo, creio que com a ajuda da Lúcia e do Dr. Eduardo, e me esqueci completamente que já usei um dia meia furada, que já comi pão com mortadela no balcão da padaria e que já fui ao baixo meretrício, comer aquelas baianas com tatuagem no rêgo. Já lhe falei o quão escroto eu acho que é uma mulher ter tatuagem? A Lúcia tem a pele lisinha, branca, uma tez maravilhosa, mesmo agora, com quase cinquenta anos. Nossa filha queria fazer uma tatuagem, eu ia proibir, mas Lúcia me disse "querido, deixe que eu falo com ela", e ela demoveu minha filha da ideia, não sei quais argumentos usou, mas nunca mais se falou no assunto. Lúcia é uma boa mãe, aliás, uma ótima mãe.
Sinto que estou fugindo do assunto. Carlos, minha vida está um inferno. Estou perdendo tempo, dinheiro. Tempo é dinheiro, e o tempo é o senhor da razão. Logo, o dinheiro é o senhor da razão. Isso talvez explique porque eu defino minha vida, sempre que perguntado, como "uma loucura". Minha terapeuta quer que eu tire férias, ela acha que é simples assim, que eu posso reunir meus diretores e dizer "senhores, eu estou tirando férias, vou para algum lugar no Caribe ou no nordeste do Brasil salgar a bunda, e deixar vocês explodirem com a empresa na minha ausência". Sabe quando o Dr. Eduardo tirou férias, desde que fundou a empresa que eu hoje dirijo? Somente no dia em que me casei com Lúcia e assumi as funções dele. Desde então ele vive férias permanentes, mas está sempre dizendo que a vida dele está uma bosta. Isso me desespera. Será que minha vida será permanentemente uma bosta também? É o que lhe digo, o pobre trabalha a vida toda, mas um dia se aposenta, porque Getúlio Vargas deu esse direito aos pobres. O rico não se aposenta, a gente não se aposenta de um padrão de vida.
Carlos, você sabe que é como um filho para mim e se te deleguei tantas responsabilidades, é porque sei que você dará conta. Mas entenda uma coisa, já que você e Karina, minha amada primogênita, vão começar uma vida agora: casais com filhos não podem morar num loft. Cachorro não é filho, eu não sou avô de cachorro. E quero que você durma todas as noites. Você pode vir aqui? Estou me sentindo muito só.

segunda-feira, outubro 26, 2009

Sensações

Muita luxúria. Muita energia procurando um canal pra sair do meu corpo, da minha mente, dos órgãos saudáveis. O perfeito funcionamento físico, alavanca bem lubrificada.

Labirinto minha mente. Ideias em espiral. Muita luxúria. O Anjo Pornográfico. Perdão a Nelson Rodrigues pelo epíteto que estou roubando.

Labirinto e muita bandalheira na minha cabeça. Cheiro, forma e cor. Curvas. Vontade de tatear o convexo da cintura de certas mulheres e agarrar firme a carne, como um náufrago agarraria a tábua de salvação. Apertar nádegas, bulir coxas, escorregar a mão por locais cheios de sombra, mistério, aroma e fantasias. Despir-nos. Das convenções, das roupas, do certo e do errado.

Não. Nessa fantasia não há mais espaço para absurdos. Quero um sexo limpo, perfeito, romântico e antirromântico. Quero o amor. O amor que não existe, e jamais existirá. O amor que não é apenas o ato, mas a justificativa.

Quero acordar sem sobressaltos. Quero que o sonho seja mais compensatório. Quero ver o mundo de novo com os olhos de uma criança e, ainda, quero ver o sexo com os olhos de uma criança. A eterna criança que vê a vida pelo buraco da fechadura. (Novamente: perdão, Nelson). A eterna criança que sou. Uma criança-máquina, alavanca bem lubrificada. Mas que só funcione a seu bel-prazer.