quarta-feira, outubro 24, 2007

Fábulas Fabulosas, o retorno*

Era uma vez, há muito tempo, numa terra muito distante chamada Bauru, um jovem camponês chamado Décus. Décus, num belo dia, resolveu passear pelos bosques que circundam a região hoje conhecida como Calçadão da Batista de Carvalho. De repente, num momento místico e espetacular, Décus avistou, com seus olhos tristes e já sofridos pela vida, a visão mais linda do universo. Montada em seu cavalo, ereta, predestinada, Diana, a deusa da caça, perseguia um cordeiro com a lança em punho. Décus ficou petrificado enquanto seu olhar seguia a deusa amazona partindo ao longe no horizonte. Então ele voltou para casa e ficou estranho por vários dias. Não comia, não dormia, ficava o tempo todo com o olhar parado, arregalado, fixo, como se tivesse enlouquecido. Muito preocupada, a mãe de Décus mandou chamar o feiticeiro do povoado, o velho Minduim, para que este curasse seu filho. Minduim chegou e soprou fumaça mágica nos ouvidos e nos olhos de Décus, para que este saísse do seu transe. E então, vendo que Décus voltava a si, indagou:

_ Dormiste muito nos últimos dias, filho! E os melhores sonhos são aqueles que nos veem quando estamos acordados. Com que sonhastes ultimamente, jovem coração dos campos?


E Décus então recordou a lembrança de Diana e disse a Minduim que estava apaixonado.

_ Estás enamorado entonces, pequeno? E logo por quem? Por uma deusa... Para conquistar uma deusa, um jovem mortal só tem uma opção...

_ Diga Minduim, diga o que devo fazer! Faço qualquer coisa pelo amor de Diana!

E então o velho Minduim disse a Décus que ele deveria fazer uma oferenda para Diana. E o que mais regalaria Diana, era o pequeno coração de Décus:

_ Nevermind! Dê a ela o seu pequeno grande coração, meu jovem semeador! Não sejas um loser!

Minduim era perverso. Ele sabia que nada poderia conquistar Diana, que Diana era a deusa que havia abdicado do amor.


Indiferente ao amor e caçadora infatigável, Diana era cultuada em templos rústicos nas florestas, onde os caçadores lhe ofereciam sacrifícios. Na mitologia romana, Diana é a deusa dos animais selvagens e da caça, bem como dos animais domésticos. Filha de Júpiter e Latona, irmã gêmea de Apolo, obteve do pai permissão para não se casar e se manter sempre casta. Júpiter forneceu-lhe um séquito de sessenta oceânidas e vinte ninfas que, como ela, renunciaram ao casamento. Diana foi cedo identificada com a deusa grega Ártemis e depois absorveu a identificação de Ártemis com Selene (Lua) e Hécate (ou Trívia), de que derivou a caracterização triformis dea ("deusa de três formas"), usada às vezes na literatura latina. O mais famoso de seus santuários ficava no bosque junto ao lago Nemi, perto de Arícia. Pela tradição, o sacerdote devia ser um escravo fugitivo que matasse o antecessor em combate. Em Roma, seu templo mais importante localizava-se no monte Aventino e teria sido construído pelo rei Servius Tulius no século VI a.C. Festejavam-na nos idos (dia 13) de agosto. Na arte romana, era em geral representada como caçadora, com arco e aljava, acompanhada de um cão ou cervo.


Mas o jovem Décus, alucinado que estava pelo amor de Diana, abriu um buraco no peito com uma pequena faca e arrancou seu coração, que pulsava freneticamente. Colocou-o numa caixa e levou-o até o Templo de Diana, que ficava onde hoje é o Centro Cultural de Bauru. Diana, ao receber o presente, abriu a caixa com olhar curioso. Mas, ao perceber que se tratava apenas do coração de Décus, ela perdeu imediatamente o brilho de interesse do olhar. Viu que Décus a olhava do lado de fora do Templo e, mesmo assim, como que para magoá-lo, comeu seu coração ali mesmo, sem denunciar expressão de alegria, gozo, ou ira...

Ela comeu meu coração
Trincou, mordeu, mastigou, engoliu
Comeu
O meu

Ela comeu meu coração
Mascou, moeu, triturou, deglutiu
Comeu
O meu

Ela comeu meu coraçãozinho de galinha num xinxim
Ai de mim
Ela comeu meu coraçãozão de leão naquele sonho medonho
E ainda me disse que é assim que se faz
Um grande poeta
Uma loura tem que comer seu coração
Não, eu só quero ser um campeão da canção
Um ídolo, um pateta, um mito da multidão
Mas ela não entendeu minha intenção
Tragou, sorveu, degustou, ingeriu
Comeu
O meu

E Décus pôs-se a caminhar desinfeliz. Já não tinha coração. Já não sabia se poderia amar de novo. Até hoje vaga pelos mesmos bosques nos quais viu Diana pela primeira vez, com a mesma expressão vazia daqueles que não tem coração. E a deusa Diana segue vivendo nos campos, sem saber da existência do amor de Décus, sem conhecer o tesouro que lhe foi ofertado junto com aquele coração valoroso.

Fim (e nem todos foram felizes para sempre).

Texto sobre Diana: www.confiraweb.com/diana.html
Música incidental: "Comeu", Caetano Veloso.

* Publicado originalmente em www.freud_aperta_um.weblogger.com.br em maio de 2004.

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