domingo, abril 20, 2008

Saber dançar

Já perdi grandes oportunidades por não saber dançar. Chances irrecuperáveis.

Olhava à minha volta e lá estavam todos: dançando. E eu parado, num canto do salão, olhando à socapa para as pernas das mulheres e os sorrisos dos pares. Eu era uma ilha paralisada num mar de movimentos. É certo que me acomodei na minha posição de observador. Mas o que fazer?, eu tinha receio. Eu tinha medo, é preciso confessar. Eu era... eu sou covarde. Eu não me permitia o ridículo.

E as coisas continuam na mesma. Mesmo quem não sabe dançar, dança. E eu, que a tenho a música me explodindo nas veias, na cabeça, saindo pelos poros, eu que ouço a música, que canto a música, que deixo a música ter significado, entrar e sair, rodar e voltar e me encher de alegria pueril... eu não tenho pernas para dançar. Vejo meu rival dançando com ela, com a Mulher de Vidro. Meu rival não sabe dançar. Mas a Mulher de Vidro o motiva, a Mulher de Vidro é uma ótima dançarina. A Mulher de Vidro, quando era apenas a Menina de Vidro, já dançava. Dançava quadrilha, lambada e forró na escola. Beijava seu namoradinho de quadrilha de festa junina no rosto, e ele retibuía-lhe dançando, ainda que desajeitadamente. A Mulher de Vidro cresceu e se tornou uma deliciosa dançarina latina. Caribenha.

Mas não foi pra falar da Mulher de Vidro que eu vim aqui. Tampouco pra falar de meu rival, que não sabe dançar, mas dança. Vim pra lamentar todas as danças que perdi por não saber dançar.

Vim estupidamente me lamentar, como uma carpideira, dos passos que não dei e mesmo dos pés que não pisei. Lamentar as cinturas que não enlacei. Os decotes que não vi de perto, os sussuros que perdi. Os roçares em pescoços, os cheiros de shampoo emanando de cabelos sedosos. Eu vim, como um velho à beira da morte, dizer que perdi minha vida. E vim me lamentar de ter escolhido chorar por dentro naquele baile vendo aquele casal abraçado, ao invés de aceitar o convite da amiga dela, para dançar.

Eu sei, lamentar é bobagem. Mas eu não sei dançar. E isso não é apenas uma metáfora.

sábado, abril 05, 2008

Sobre Como Eu Botei Na Bunda da Vida e Ela Simulou Um Orgasmo

Eu não tenho o que escrever. Por isso mesmo, vou narrar aqui (não-) acontecimentos últimos da minha vida, só para que os eventuais leitores se dêem conta de como ela é chata e banal. Nem um capiau do meio da mato tem uma vida mais banal do que a minha.

Primeira coisa que posso dizer é que comecei a ler "Angústia", do Graciliano Ramos. Uma vez na faculdade, lembro-me bem, um professor - que aliás defendeu tese de mestrado (ou doutorado, ou de graduação, nem sei) sobre esse livro - nos disse que essa obra do Graciliano não era pra se ler se você está deprimido. Que você devia lê-la se estiver de bem com a vida. Bom, eu não estou assim tão feliz, mas resolvi arriscar. Tá difícil. Tô nas primeiras páginas e tentado a largar a leitura. Fora que só leio no Santana-Itaim, em pé naquela merda lotada, encostado - quando não tem ninguém ocupando o espaço - na parte sanfonada do articulado. Me dá um puta sono. Normalmente eu já tô cansado, saindo do trabalho às cinco. Eu podia falar do meu trabalho, mas dá preguiça só de pensar na idéia.

Também não quero falar em sobre como ando cada vez com menos paciência e só evito dar patadas nos outros porque sou covarde demais pra ficar comprando brigas. Quer dizer, a maldade passa pela minha cabeça, mas meu complexo de "bonzinho, politicamente correto" faz com que eu guarde pra mim pensamentos sobre a boçalidade das pessoas e a minha própria. E também eu tenho opiniões muito maleáveis sobre as pessoas e as coisas. Por mais de uma vez nas últimas semanas eu me peguei tendo dó de pessoas que, minutos antes, eu queria que fossem para a puta que as pariu. Quer dizer, não é difícil eu recuar de opiniões que considerava formadas, acabadas, irreversíveis. Aí eu me sinto bem fraco, fraquinho mesmo, uma personalidade de personagem coadjuvante do figurante da pior comédia de quinta linha. Bom, eu sei que tô sendo muito implacável comigo mesmo, mas pô... vá pra puta que pariu, né?

Bom, ainda sobre a minha vida, o que mais posso dizer? Se eu não quero falar sobre minha vida profissional nem sobre a afetiva, o que sobra?

Eu não fiquei muito comovido com a morte da menina Isabella. Nem tão empolgado com a vitória do Corinthians sobre o Fortaleza. Nem ligando muito pro fato dos tucanos estarem melindrados porque o Lula e a Dilma quiseram mexer nas contas de gastos do FHC. Aliás, esses tucanos são uma piada. Mas, enfim... Eu não me comovi com nada em especial essa semana. Pusilânimidade total. Não tive vontade de me inscrever num partido político, numa entidade de classe, num curso de francês, numa aula de dança - apesar de ter pensando, num dado momento, que eu deveria aprender a dançar - numa academia de ginástica, num curso religioso, nada, nada, nada. Apenas tenho me focado na diligente arte da inércia, pensada por Isaac Newton em 1700 e lá vai pedrada e cultuada por vagabundos do mundo inteiro. No Brasil, os praticantes da inércia superam em números os praticantes de qualquer outra parte do globo. São milhões de pessoas que, nas horas vagas, não fazem nada e nisso sentem algum prazer. Os estados onde a inércia é mais praticada no Brasil são, pela ordem: Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em São Paulo, estado onde vivo, sou discriminado por ser adepto assumido da inércia. O próprio conceito de "locomotiva do País" - um conceito de merda que só poderia ter surgido numa cabeça-de-vento de paulistano metido a besta mesmo! - vai contra a essência milenar da arte da inércia. Uma idéia que já existia na Grécia antiga, conhecida popularmente como ócio. Aqui no Brasil temos até cantores que pregam a inércia em suas músicas, como Dorival Caymmi, José Carlos Pagodinho (vulgo Zeca Pagodinho, que tem a música "Deixa a Vida Me Levar"), entre outros. (Um baiano e um carioca, note-se). Enfim, eu tô só empurrando com a barriga, como empurrei esse texto idiota até aqui. Um caminhão de bobagem sobre a cabeça de quem lê.

Eu tô meio desalentado.

quarta-feira, abril 02, 2008

De um diálogo entre a Mulher de Vidro e o Homem-Pedra

Pensando que necessita tomar uma providência para tirar de cima de si a ziquezira, o Homem-Pedra ostenta, nessa nublada quarta-feira, um olhar triste pregado sobre a mesa de trabalho. Ele espera que a Mulher de Vidro note sua tristeza e pressuponha o motivo de tê-lo assim macambúzio. Mas, qual o quê? A Mulher de Vidro sequer imagina - será mesmo? - que ela é a razão da angústia do Homem-Pedra. Ela aproxima-se então com um sorriso de derreter calota polar e puxa um assunto banal qualquer. O Homem-Pedra, que não é de ferro, esquece-se da sua tentativa de comovê-la e cai no jogo, abre a guarda. Em pouco tempo, ele está falando animadamente com a criatura que mudou a sua vida. Diz uma besteira qualquer e ela solta um daqueles risos desbragados que o deixa com uma vontade de não sei o quê.

Então ele pula pela janela do oitavo andar e cai lá embaixo apoiado nas quatro patas, como um gato selvagem. E, como um gato selvagem, ganha a rua, a despeito dos transeuntes observadores que circulam na tarde vadia.

terça-feira, abril 01, 2008

Será que eu sou o Homem-Pedra?

Fico com medo de as nuvens, por serem de sonho, se dissolverem no exato momento em que eu pisá-las.

Fico com medo de ser sonho, mesmo quando parece realidade. E fico com medo de viver uma realidade que não me permita sonhar.

Fico com medo de me sentir preso, de perder de vista a fresta por onde eu posso escapar. Eu sei que a fresta existe e sei que posso escorrer por ela a qualquer momento, mais veloz que um foguete de São João. Mas, e se na hora H uma ilusão sombria me vedar o caminho? Como a grande pata de um gato que agarra um rato pelo rabo? Eu tenho muito medo de ilusões. Eu tenho muito medo de verdades sem consistência. Eu tenho dentro de mim uma verdade absoluta e muitas mentiras relativas. Mas o diabo é que a ilusão que entra pelas minhas narinas tem cheiro de perfume caro. A ilusão que entra pelos meus ouvidos e me desasossega o coração é um timbre de voz mole, e doce, e infantil e perturbador. E uma risada que me faz ter vontade de pular pela janela do oitavo andar e cair lá embaixo, no chão, de pé, apoiado nas quatro patas como um gato selvagem.

Eu me vejo refletido nela, ela é meu espelho. Ela é minha vitrine, minha televisão de cachorro, minha alegria muda e minha tristeza escandalosa áfona de tanto gritar por dentro. Ela é, e pra sempre será, minha mulher de vidro, com alma de carne.

Fico com medo de estar andando nas nuvens e acordar mergulhado no lodo. Mas eu prendo meus medos dentro de mim. Porque a mulher de vidro enxerga através do meu casco.