sexta-feira, novembro 30, 2007

O maníaco à paisana

Parece até que eu a tenho seguido, deliberadamente. Subo no ônibus logo atrás dela, e ela se acomoda em assento paralelo ao meu. Separados por um corredor. Tenho vergonha de encostar a cabeça no vidro embaçado da janela do coletivo para cochilar. Ela pode, de esguelha, estar olhando pra mim.

Mas puxa, o olhar dela é tão sério, e tão distante! Uma sombra preta ao redor dos olhos, isso quando não estão ocultos pelos óculos de sol. Um rosto que me parece o de alguém que deixou à infância há pouco tempo. Sinto-me velho no alto de meus vinte e poucos anos. Mas olho pra ela. Ela é sim uma bela mulher. Às vezes olho e vejo que ela notou. Não sei se fico sem graça ou se sigo olhando, ostensivamente. Normalmente opto pela primeira opção.

E então, Largo do Paissandu, ponto final. Ela sai depressa enquanto eu estou preso, esperando as pessoas descerem, pra ganhar o corredor e enfim a saída. Quando estou na rua, ela já está lá embaixo, dobrando a esquina da Conselheiro Crispiniano. Não quero perdê-la de vista. E não perco. Passo pelo churrasco grego a passo, ela já está em frente ao Edifício Marrocos. Emparelho com ela, cada um de um lado da rua. Ela contorna o Municipal, eu prefiro seguir reto. Não tem sentido mudar a rotina dos meus caminhos só por causa de uma mulher bonita. Passo em frente ao antigo Mappin. Faixa de pedestres da Xavier de Toledo. Olho pra trás, e ela se aproxima. Atravesso a rua e ela segue pelo outro lado. Sempre uma rua nos separando. Chegamos à altura da estação Anhangabaú do metrô. Uma banca de jornais e calculo que tenho 10 segundos para olhar as manchetes. Ela passou, ainda do outro lado da rua. Vou atrás, jogando meu olhar entre os trausentes, cuidadoso para não deixar que ela fuja de meu campo de visão. Quando chegamos ao final da Xavier, já próximos ao início da Martins Fontes, ela atravessa a rua e vem para o meu lado. Diminuo as passadas para que ela desponte à minha frente e vou logo atrás, analisando sua bunda. Sim, ela tem uma bunda bonita. Não descomunal, mas bonita.

Nessa altura me pergunto: ela mora no mesmo bairro que eu, terá notado essa familiaridade? Pegamos o ônibus no mesmo ponto quase todas as manhãs e fazemos o mesmo trajeto a pé, que não é propriamente curtíssimo. Chegamos ambos à travessia do viaduto, e no meio das pessoas, ela olha para o lado e me vê, sem denotar nenhuma expressão diferente. Eu finjo que também não me passou nada de diferente na cabeça. Atravessamos e ela aproveita para atravessar também a rua diagonal. Estamos novamente em lados opostos da rua, caminhando ambos rápidos pela Martins Fontes. Até que ela enfim entra no prédio da Telefônica, onde deve trabalhar enfastiada até cinco da tarde, pensando em como é pouco o dinheiro e muitas as necessidades. Talvez tenha um grande amor, ou talvez ache a vida uma coisa muito engraçada. Quero fruir até o último momento da visão que ela me proporciona e sigo-a com o olhar até que a ponta de seu calcanhar desapareça pela porta lateral do prédio. Sou um mendigo que devora as migalhas. Ela enfim desaparece, eu sigo meu caminho, feliz por ela existir e participar de forma tão passiva da minha rotina. Amanhã faremos tudo de novo.



E então penso: de que adianta escrever coisas singelas se o leitor vai pensar que o que me despertou tudo isso foi uma mera bundinha?



domingo, novembro 11, 2007

Corrente

Bom, lá no blog dele, o André Diniz me passou uma espécie de corrente. Odeio correntes, mas adoro falar de mim mesmo. Não, não interessa se você não está interessado. Quer saber? Foda-se e leia as sete coisas que você provavelmente não sabe sobre mim:

1) Sempre fui uma pessoa pacata com tendência a apanhar quieto em vez de revidar. Mas lembro-me de também já ter tido meus momentos vis de vingança e violência. Certa feita, provocado que fui por um colega de sala no primário, acertei seu rosto com a ponta de um esquadro. Apesar de tê-lo ferido, não me lembro de ter sido punido por isso. Noutra ocasião, colocado de canto por um menino que liderava a turma, fui chorar encostado na parede enquanto ele ria, sentado à mesa com os demais. Até que me aproximei, puxei a banqueta e pude ter o prazer doce de vê-lo chorar ao cair de bunda no chão.

2) Eu, corintiano doente, já fui são-paulino por alguns dias. Explico: na final da Copa de 94, nervoso que estava com as iminentes cobranças de penalidades que definiriam o campeão do mundo, recolhi-me ao banheiro para, na minha ingenuidade de criança, pedir que Deus intercedesse pela seleção canarinho. Não tendo muito o que ofertar, prometi que, caso a seleção se sagrasse campeã, eu deixaria de torcer para o Corinthians (obviamente eu não tinha a menor dimensão do que o alvinegro de Parque São Jorge viria representar em minha vida). Como todos sabem, o Brasil venceu a Itália e eu me vi obrigado a cumprir aquela promessa. Fui escolher qual seria meu novo time e, entre Palmeiras e São Paulo, fiquei com a segunda opção, para desgosto de minha família composta exclusivamente de corintianos. Chegou então o dia de assistir o primeiro jogo como torcedor do meu novo time. Não me lembro que jogo era, tampouco a escalação do São Paulo. Tudo o que me lembro é que foi uma tarde desbotada, enfadonha e que não era a mesma coisa ver aquele time e ver o Coringão. Já me resignava a ter uma vida medíocre quando minha mãe me disse as palavras que seriam minha libertação: "Filho, esquece isso. Deus não liga pras essas promessas de futebol!". Bom, talvez Ele até ligue. Talvez Ele até me castigue. Acho até que o castigo é ser corintiano, maloqueiro e sofredor. Mas, graças a Deus eu não me tornei são-paulino.

3) Até entrar na faculdade, só gostava de meninas fisicamente bonitas, que seguiam os padrões de beleza, etc e tal. Até que me peguei gostando de uma feia e achei que havia algo de muito errado comigo.

4) Meu primeiro beijo aconteceu precocemente (pelo menos para a época). Tinha 6 anos e a menina devia ter uns 8. Por aí. Não me lembro exatamente das coisas, exceto de que ela me chamou pra brincar de médico. E eu achava que brincar de médico era simplesmente falar pra ela dizer "trinta e três" e receitar uns remédios. Não imaginava que ela me mandaria examinar sua barriga e que depois me puxaria pra detrás da cortina da sala. Enfim, um tremendo desperdício uma coisa dessas me acontecer numa época em que eu não tinha ereções.

5) Dois pequenos detalhes frearam o promissor futuro que eu teria como eletricista de manutenção após sair do Senai: medo de altura e medo de levar choque.

6) No futebol, não sabia chutar, passar a bola, cruzar, marcar e cabecear. No vôlei não sabia sacar, levantar, recepcionar, bloquear. Nas corridas, sempre ficava por último. Resumindo: eu sempre torcia pra chover nos dias de educação física no colégio. A quadra da escola pública não tinha cobertura.

7) Adoro pimenta, mas não posso comer. Tenho hemorróidas.

Amaldiçoo os seguintes blogs: http://muitoconceito.zip.net , http://www.fotolog.com/lili_akamine , http://www.fotolog.com/universoph , http://banheiro-misto.blogspot.com , http://www.banheiro_misto.blogger.com.br/ .

E é isso.

quinta-feira, novembro 01, 2007

Diarinho (se estiver alegre, não leia!)

Estou cansado das pessoas. Exceção a alguns amigos, estou cansado das pessoas.

Um lar está se desfazendo. Equivoco-me. Esse lar já se desfez faz tempo. É um bebê natimorto que já exala fedor putrefeito há 25 anos. Há 25 anos que se deveria ter organizado uma reunião de metas, uma definição de rumos. Há 25 anos, alguém deveria ter dito: casar para quê? Casaram. Firmaram um contrato cego, que nunca deu às partes o direito da rescisão. Hoje estamos no olho do furacão, tendo exemplos crassos de como não se deve ser feitas as coisas. Presenciei agressões. As verbais foram as piores. Presenciei pessoas fora de si. Sei que todo mundo presencia essas coisas. Mas eu estou de saco cheio. Estou esperando alguém tomar uma iniciativa, nem que ela pareça totalmente maluca.

Estou cansado. Cansado das pessoas. Cansado de ouvir, e ouvir, e ouvir, e ouvir. Cansado de nutrir sonhos bobocas. Cansado de saber que tenho potencial. Grandes merdas ter potencial. Um pedregulho tem grande potencial para rolar de uma ribanceira, cair num lago e matar um peixe. E daí?

Estou cansado de platonismos. Cansado de querer o alheio. De me sentir um mesquinho, um alcoviteiro, um farsante. Cansado de dar falsos testemunhos e proferir frases lapidadas, polidas, raciocinadas.

Estou cansado de ter minha auto-estima destruída. Ou melhor, cansado de mim mesmo, que me deixo influenciar por opiniões de quem me acha um lixo. Cansado de me sentir insuficiente. Cansado de me sentir o menino bonzinho, o menino que todo mundo quer como irmão, como amiguinho pra ir não sei aonde, como pessoa que vai sempre falar coisas gentis ou emudecer diante de lamúrias. Cansado de ser aquele que aparece com um sorriso, com uma piadinha, com sarcasmo sempre ironizando a própria merda da vida.

Estou cansado de um dia estar feliz e no outro desinfeliz. Cansado de me apegar a coisas pequenas pra ter motivação. De ter motivações pequenas. Cansado de ser mediano, ou, como já me disseram, medíocre. "Você é um escritor medíocre e quem diz o contrário é ignorante/leigo ou seu amigo demais pra te desestimular". Sim, há alguma razão nisso.

Estou cansado das lembranças, das reminiscênciazinhas. Cansado de passar por lugares que me lembram pessoas. Cansados dos meus sonhos - falando agora não em sentido metafórico - que não se tocam. Meu subconsciente não aceita as coisas que se passaram, não colabora comigo, insiste nos fantasmas. Tô cansado disso. Estou cansado de carregar um cemitério na cabeça.

E estou cansado do TCC que não se conclui, do inglês que não se aprende, da cultura que não se absorve, da viagem que não se faz, das aventuras que não se vive. Pra bem dizer, estou cansado da mediocridade - novamente essa palavra cretina que tanto odeio - existencial que atravesso. Mediocridade.

Estou cansado de tudo.
Preciso descansar.